COLUNA | O trabalho e a saúde mental das mães nas férias escolares

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Quando era criança, nas férias escolares, lembro-me de minha mãe dizendo em meados de julho e dezembro: “não espero a hora que as aulas comecem”. Demorou anos para que eu entendesse que a questão das férias escolares era uma espécie de sobrecarga para quem cuida e fica com as crianças durante todo o dia. Porque lembremos: geralmente, criança não fica sozinha. Há sempre alguém olhando a criança e, quando não tem, vale ver onde a cria está e o quê estava fazendo. 

Saliento que esse “olhar uma criança” não é um olhar qualquer. Esse olhar se amplia em atividades bastante comuns e que dizem respeito aos detalhes. Por exemplo: É perceber se há obstáculos no caminho, na rua, no chão da sala; se há quinas desprotegidas na mesa; se há segurança no parquinho da praça; é segurar a mão da menina no metrô ou no ônibus; é avisar ao menino que se vai atravessar a rua; se não tem bicho onde se está pondo a mão ou  se a criança não está colocando o dedo na tomada; se está tranquilo brincando ou se está desmontando a casa; se machucou e como foi; se comeu e quando; se já tomou banho e se a roupa limpa ainda cabe no corpo; se as unhas foram cortadas; se o tempo exige agasalho, etc. E tudo isso para um início de conversa, pois cada uma dessas atividades listadas pressupõe outra série de ações para a efetivação da mesma. Desse modo, quando começam as férias propriamente ditas, as mães planejam ou já planejaram alguma atividade para fazer com as crias ou para que as crianças façam naquele período. 

As mães desenvolvem um planejamento incomum e muito comum nesse período: buscam saber programações gratuitas que acontecem no bairro ou na cidade; conversam com alguém que possa ficar e cuidar das crianças enquanto se trabalha; encaminham o filho à casa de algum parente; tiram férias para acompanhar o infante e negociam as atividades com a própria criança, entre outras atividades. Seja aquela mãe que trabalha fora o dia todo, seja a mãe que fica em casa, cada uma ao seu modo, faz uma espécie de tarefa de e para as férias. Em famílias em que há um equilíbrio na divisão de tarefas entre os genitores/ responsáveis, esse planejamento parece ser compartilhado. No entanto, sabemos que ainda há um número reduzido de casais que dividem a gestão desse tempo de presença de filho dentro de casa/ em férias. 

Em abril desse ano, o IBGE divulgou que as mulheres dedicaram, em média, mais de 21 horas por semana em atividades domésticas e cuidado com pessoas em 2018. De acordo com a instituição, 54 milhões de pessoas de 14 anos ou mais realizaram cuidados de crianças, idosos ou pessoas enfermas que moravam ou não no mesmo domicílio, correspondendo a uma taxa de 31,8%. Os cuidados para com as crianças e as e os adolescentes de até 14 anos foram predominantes, sendo que o monitoramento/ o “estar de olho” dentro de casa foi a atividade mais frequente, porém com diferenças de atuação efetiva entre os  homens (87,9%) e as mulheres (91,6%). Além disso, o levantamento do IBGE informou que homens que compartilham o mesmo teto (com suas parceiras) e em condições de responsáveis ou cônjuges fazem menos serviços domésticos que as mulheres nas mesmas condições “de temperatura e pressão”. Ou seja, de todo modo, a mulher tem uma jornada mais estafante e intensa que o homem.

Nesse aspecto, se tomamos como referência que, diariamente, as mulheres se sobressaem no quesito “atividades domésticas” em relação aos homens, essa situação em período de férias escolares transborda ou excede àquilo que se está habituado. Isso significa ou deveria significar que, quando se retomam as aulas, quem necessita ou deveria ter férias é a mãe. O trabalho nas férias para além do costumeiro serviço desempenhado (em casa ou fora dela) nesse período será também proporcional às condições econômicas: uma mãe que tem condições econômicas e, desejando um cuidado para si, pode terceirizar sua função materna nas tais férias. Acampamentos escolares são uma das opções para classes sociais mais abastadas, por exemplo. Porém, nas casas de quase 8,2 milhões de mulheres brasileiras que vivem sozinhas com seus filhos de até 14 anos e que vivem em situação de pobreza, esse cuidado de si, com férias escolares ou não, já não é tão simples, provável ou mesmo possível. 

Ser uma mãe suficientemente boa em período de férias escolares passa não somente pela disponibilidade de tempo dessa mulher para com seu filho (a) ou pelo afeto que se tem à criança, mas também pela situação econômica e, principalmente, pelo tempo que essa própria mulher tem se dedicado a cuidar de si propriamente. Afeto, tempo/ disponibilidade e renda relacionam-se diretamente com as férias das crianças e a saúde mental das mães.

Por isso, leitor(a), antes de chamar a vizinha de louca porque ela deu um grito dentro de casa, lembre-se que se o trabalho da mulher já era demasiado; nas férias, por sua vez, a intensidade e a correria são predominantes e maiores. Tenhamos mais empatia para com as mães nesse período: a saúde delas e das crianças agradece!

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