Dia 10 de outubro, dia mundial da saúde mental, olho as esquinas floridas do meu jardim e tento me convencer que está tudo bem, que eu tenho terapia mais tarde, e que ao menos estou medicada este mês. Enquanto isso tomo mais um paracetamol para a dor de cabeça que me ataca toda manhã, depois que já mandei para a escola as 3 crianças.
Espero a terapia e corro para lavar a louça e botar feijão no fogo, tô tentando não fazer limpeza na casa enquanto tô na sessão, mas nem toda semana é possível, tem dias que a sessão termina antes da hora porque alguma criança não foi pra escola e eu precisei atender ela e não ter minha 1 hora de terapia semanal. Ai de mim se ficar sem esse momento, mesmo que seja atravessado.
Mas sabem o quê? Dar conta de lavar prato, banheiro, roupa, fazer almoço e ensinar as lições de casa é fichinha: cansa mesmo é fazer listas e sentir que não deu check em todos os itens mais um dia.
A sobrecarga mental é um dos itens que mais pesam para piorar a situação da saúde mental das mães, e falando especificamente de maternidades atípicas, diria que, além disso, tem a eterna burocracia de planos de saúde, a tal da inclusão escolar que para mim parece já lenda urbana, e claro, a falta de rede de apoio.
E ainda assim sabem o que realmente mexe com minha cabeça? A CULPA.
Culpa do quê? De tudo e mais um pouco. Virei a esquina, encontrei uma culpa, e pego para mim. Achava que era algo meu sabem? Característica da minha depressão ou da minha personalidade controladora. Mas, graças às deusas, convivo com muitas mães e aprendi que é estrutural, sistemático, estratégia perfeita para nos deixar sempre cientes que importamos somente como agentes de cuidado. Mãe cuida né? Protege, educa, bota no bom caminho. Só a mãe.
Sim, esse é um texto para falar da culpa materna e como ela nos coloca em subserviência aos propósitos do patriarcado. Dei o recado né?
Imagino que vocês mães tenham passado por muitos momentos de colecionar culpas e como eu, talvez, não tenham percebido antes como é estrutural. Mas, somos, a todo instante, moldadas, para sentir CULPA por faltar com o cuidado materno, crescemos ouvindo isso, certo dia, por exemplo, ouvi minha avó fofocando com uma tia sobre outra prima (família…) e ela dizia: “Quem pariu Matheus, que balance”. Entenderam o recado misógino nesse ditado? A responsabilidade por Matheus é só e tão-só de quem o “pariu”, claro que o pai que o contribuiu para o nascimento não conta, ele não o pariu.
Quando estamos grávidas e passamos por abortos espontâneos ouvimos toda sorte de coisas e sempre tem a ver com o que “não fizemos direito” para cuidar desse feto. A criança nasce e nosso leite vira alvo: ele é suficiente?, ele vai sustentar essa criança? Não é melhor dar leite de lata logo? E se, por milhões de razões válidas, a gente não amamentar, não precisa de ninguém para nos botar culpa, a gente já se sente falida por si só: uma única coisa devíamos dar conta, que é amamentar, e não conseguimos.
A criança cresce e um belo dia cai de uma árvore, a mãe nem respira, corre logo para o hospital, no meio do caminho ligou para a vizinha ajudar com as outras crianças, cancelou a terapia da tarde e adiantou um pedido de almoço no aplicativo. Mas no hospital foi questionada pelo médico sobre “onde estava que não viu ela subir na árvore?”. E antes da alta, teve uma assistente social questionando se a criança estava medicada corretamente do autismo, que não é uma doença, e se eu estava levando a mesma nas terapias.
Se o pai tivesse levado ela, em vez de ter ficado na sala em crise sem saber o que fazer, ele teria sido santificado: Que pai exemplar! Ele lá cuidando da filha e levou até para a emergência, que atencioso! Toda vez que ele leva algumas das crianças ao posto de saúde as enfermeiras faltam colocar um tapete vermelho no chão para ele andar. O que sobra pra mãe? CULPA, choros engolidos, uma baita raiva que nem sabe como redirecionar e claro: uma saúde mental detonada.
“Fulana não bate bem da cabeça desde que prenderam o filho”, disse uma mulher para outra no ônibus, despretensiosamente, ao apontar para Fulana indo para a fila da revista na entrada do Presídio da cidade. Pobre fim de uma mulher, que provavelmente consumida por culpa, ainda está lá, no cuidado, no amor, na entrega e claro: sem saúde mental. Quantas delas criaram os filhos se achando péssimas mães e agora acreditam fielmente nisso?
Nada piora mais nossa saúde mental, de mães atípicas como eu, que o tal do Instagram e suas mães perfeitas: centenas de perfis onde há hoje fotos de crianças com cabelos mega produzidos para o tal dia do cabelo maluco. Esse Instagram onde mães e profetas do neurodesenvolvimento existem acabou comigo alguns anos atrás. A sensação de que fazia pouco pelas minhas crianças, que não ia atrás das terapias certas, que não lia suficiente sobre novos avanços, que precisava achar um jeito de ter dinheiro para a musicoterapia, a psicomotricidade, os suplementos importados e os óleos essenciais caríssimos me levaram a um surto numa tarde fria de setembro. Bem no tal do mês amarelo.
Precisei de anos para superar o desespero enorme que me tomou aquele dia que tive a certeza que era uma péssima mãe e nem merecia minhas filhas. Abençoada sou, pois tive com quem’s (no plural mesmo) contar. E aí é que eu digo: por quais pilares passa uma saúde mental materna? Terapia, acesso a tratamento e fundamentalmente: rede de apoio.
Não dá para desligar o botão da culpa, mas você pode e DEVE, apertar um alerta quando sentir que precisa de ajuda. Dia mundial da saúde mental e o recado é esse: peça por ajuda.