A ideia de que toda mulher nasce sabendo ser mãe e com uma predisposição natural para amar seu bebê é um dos mitos mais persistentes — e cruéis — que nossa cultura insiste em reforçar. Desde muito cedo, somos expostas a narrativas que romantizam a maternidade e promovem a noção do chamado “instinto materno”, como se a conexão entre mãe e filho fosse imediata, automática, inata.
O chamado “instinto materno” não existe da forma como costuma ser compreendido. O que existe é o amor materno, um sentimento profundo e significativo que é construído a partir de vínculos, experiências e vivências. O amor entre uma mãe e seu bebê não nasce pronto. Ele se forma ao longo do tempo, e esse tempo é diferente para cada mulher.
A construção do vínculo: uma travessia única
A vinculação afetiva com o bebê é um processo subjetivo. Para algumas mulheres, o vínculo se inicia já na gestação, ao sentir os primeiros movimentos do bebê. Para outras, pode começar durante o parto, no primeiro olhar, ou apenas semanas ou meses depois, quando o contato com o bebê se intensifica. Há ainda quem demore mais para reconhecer esse amor e se sentir realmente conectada ao filho — e está tudo bem. Nenhuma dessas experiências é errada.
Na psicologia perinatal, compreendemos que a formação do vínculo materno não segue uma linha reta. Ela pode ser influenciada por diversos fatores: o contexto da gestação (foi planejada ou não?), a presença ou ausência de apoio social e familiar, experiências prévias com maternidade (própria ou de figuras maternas), saúde mental da gestante ou puérpera, histórico de traumas, entre outros. É por isso que a generalização sobre como “toda mãe deveria se sentir” não apenas é irreal, como também violenta.
A idealização do instinto materno cria expectativas irreais e silencia as dores que fazem parte da experiência materna. Quando uma mulher não sente imediatamente o que esperava sentir, muitas vezes se culpa, se envergonha ou teme ser julgada como “fria”, “desconectada” ou “má mãe”. E esse peso pode agravar o sofrimento emocional, contribuir para quadros de depressão pós-parto e isolar ainda mais essa mulher.
É importante lembrar que amar o filho não é sinônimo de não se sentir exausta, ambivalente ou sobrecarregada. O amor pode coexistir com o cansaço, com o medo, com o desejo de se afastar por um momento. Ele também pode não se apresentar de forma romântica, mas como um compromisso diário, uma disposição de cuidado, mesmo quando o coração ainda está se reorganizando.
Amor se aprende
Amar, nesse contexto, não é algo automático: é uma construção relacional. Envolve olhar, toque, acolhimento, presença. Envolve conhecer o bebê e, ao mesmo tempo, se conhecer nessa nova função. A maternidade convoca a se refazer por inteiro — em meio às exigências físicas, emocionais, sociais. E, como qualquer processo de construção, exige tempo, espaço, apoio e compreensão.
É por isso que políticas públicas e práticas de cuidado na atenção à saúde materna precisam considerar a complexidade dessa vivência. Promover o acolhimento desde o pré-natal, escutar sem julgamento, criar espaços onde mães possam falar de seus sentimentos sem medo é essencial para que esse amor possa, de fato, florescer.
Quando dizemos que o instinto materno não existe, não estamos negando a força e a potência do amor materno. Pelo contrário: estamos reconhecendo que ele é humano, complexo e real, e por isso merece ser respeitado em sua diversidade. Não há um único jeito de amar um filho. E não há um único tempo para que esse amor se revele.
Ao rompermos com essa idealização, abrimos espaço para uma maternidade mais honesta e possível. Uma maternidade que acolhe o medo, o cansaço, a dúvida e que ainda assim se constrói em afeto.
Se você é mãe e não sentiu aquele amor avassalador de imediato, você não está sozinha. Isso não faz de você menos mãe. E, se você conhece alguma mulher passando por esse momento, ofereça o que talvez ela mais precise: escuta e presença, sem julgamentos.
Porque, no fim das contas, o que toda mãe merece — e precisa — é tempo, apoio e liberdade para viver sua experiência de maternidade de forma única e verdadeira.





