Adolescência: desafios da educação de jovens com algum diagnóstico

Referência no atendimento da maternidade atípica, a psicóloga Mariana Bonnás discute principais questões levantadas pela série "Adolescência", da Netflix.

Adolescência: desafios da educação de jovens com algum diagnóstico

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A adolescência é uma fase desafiadora por si só e para mães de jovens com algum diagnóstico esse momento costuma ser ainda mais repleto de preocupações. Referência no atendimento da parentalidade atípica, a psicóloga Mariana Bonnás discute as principais questões levantadas pela série “Adolescência”, uma das mais vistas da história da Netflix, e explica como lidar com os desafios extras e desgastes emocionais que podem afligir de maneira particular esses pais e filhos.

“Mesmo sem abordar diretamente a neurodiversidade, a série levanta pontos fundamentais para as famílias de adolescentes com algum diagnóstico como a importância da comunicação, o perigo do isolamento social e sobre as expectativas irreais da adolescência”, alerta.

Segundo a especialista, questões como autonomia, socialização e impacto emocional das mudanças nessa fase estão no ranking das principais dúvidas e, por isso, lista estratégias que podem ajudar os pais a lidarem com as dificuldades que os filhos possam enfrentar. “O adolescente com desenvolvimento atípico pode crescer ouvindo mensagens de que ele “não é bom o suficiente”, “não faz as coisas direito” ou “precisa se esforçar mais para ser como os outros”. Os pais têm um papel fundamental para quebrar esse ciclo de autocrítica”, aconselha.

Bonnás também chama a atenção para a necessidade de orientação e acolhimento dos responsáveis. “Criar um adolescente com desenvolvimento atípico não é uma tarefa fácil. Cuidar de si mesmos, buscar apoio e lembrar que não estão sozinhos nessa caminhada é essencial para que possam seguir fortalecendo seus filhos”, destaca.

Quais as principais preocupações de mães de adolescentes com algum diagnóstico?

Mariana Bonnás – Quando falamos de adolescentes com algum diagnóstico, a grande questão que paira sobre muitas mães é: “Como meu filho vai se virar no mundo?”. Muitas mães temem que seus filhos sofram rejeição, que tenham dificuldade para criar laços de amizade ou que enfrentem barreiras na escola e no mercado de trabalho no futuro. Além disso, há a exaustão de ser a ponte entre o filho e o mundo, traduzindo necessidades, mediando conflitos e lutando por acessibilidade em espaços que ainda não estão preparados para acolher a neurodiversidade.

Quais os desafios emocionais enfrentados por pais e filhos com desenvolvimento atípico durante a adolescência?

Mariana Bonnás – Para o adolescente, há um turbilhão de emoções. Ele percebe que não se encaixa em certos padrões, que suas reações são diferentes, que as expectativas da sociedade nem sempre fazem sentido para ele. Isso pode gerar frustração, baixa autoestima e um desejo intenso de se isolar. Muitos desenvolvem ansiedade ou entram em ciclos de autocrítica porque não conseguem corresponder ao que os outros esperam.

Para os pais, há o dilema entre proteger e incentivar a independência. Ao mesmo tempo que querem que os filhos tenham autonomia, também sabem das dificuldades que eles enfrentam. Surge a culpa por não saber como ajudar, o medo do futuro e o desgaste emocional de precisar ensinar ao filho habilidades que para outros adolescentes vêm naturalmente. Essa sobrecarga gera, muitas vezes, uma sensação de solidão, como se ninguém ao redor realmente compreendesse o peso dessa jornada.

Qual o impacto das redes sociais na saúde mental dos adolescentes com algum diagnóstico?

Mariana Bonnás – As redes sociais podem ser um refúgio, mas também um terreno perigoso. Para muitos adolescentes com diagnóstico, a internet é um espaço onde encontram pertencimento. Lá, podem acessar informações sobre suas condições, conhecer pessoas parecidas com eles e ter a liberdade de se expressar sem as barreiras da comunicação presencial.

Por outro lado, o mundo virtual também pode amplificar dificuldades. Muitos adolescentes têm mais dificuldade para identificar ironias, manipulações ou intenções maldosas, tornando-se alvos fáceis para cyberbullying. Além disso, a comparação social nas redes pode ser cruel. Quando vêem outros jovens vivendo experiências que parecem inatingíveis para eles, como grandes grupos de amigos ou relacionamentos românticos, a sensação de inadequação pode aumentar. Sem uma mediação cuidadosa, as redes sociais podem se tornar mais uma fonte de sofrimento.

Na série, os pais se veem perdidos e muitas vezes distantes dos filhos. Essa também é uma realidade entre as famílias de adolescentes com desenvolvimento atípico?

Mariana Bonnás – Sim, e talvez até com mais intensidade. É muito comum que os pais sintam que estão falando línguas diferentes dos filhos. O que funcionava antes na infância parece não fazer mais sentido, e as crises emocionais podem se intensificar. Além disso, como o mundo exige cada vez mais autonomia dos adolescentes, os pais muitas vezes se perguntam: “Até onde eu devo intervir? Quando devo deixar que ele enfrente as situações sozinho?”

O desgaste emocional também é um fator importante. Muitas mães chegam à adolescência dos filhos já exaustas de anos de luta por acessibilidade, inclusão e suporte profissional. Isso pode fazer com que sintam que não têm mais energia para seguir firmes nessa jornada, gerando um distanciamento emocional involuntário.

Embora a série não tenha personagens neurodivergentes, quais alertas ela pode gerar para essas famílias?

Mariana Bonnás –

  • A comunicação entre pais e filhos precisa ser construída diariamente– não dá para esperar que ela aconteça naturalmente, pois nem sempre isso acontecerá.
  • O isolamento emocional pode ser um grande risco– tanto para os adolescentes quanto para os pais. Ter uma rede de apoio faz toda a diferença.
  • As expectativas irreais sobre a adolescência– nem todo jovem vai viver a fase “perfeita” que a sociedade romantiza. E tudo bem. Cada trajetória é única e tem valor.

Como os pais podem ajudar esses adolescentes a lidarem com questões de identidade, autonomia e relacionamentos?

Mariana Bonnás –

  • Identidade: Permita que seu filho descubra quem ele é sem pressão. Muitos adolescentes com diagnóstico levam mais tempo para entender sua identidade, e isso precisa ser respeitado. Incentive-o a conhecer diferentes referências e a se conectar com comunidades onde possa se sentir representado.
  • Autonomia: Pequenos passos fazem a diferença. Criar rotinas adaptadas, ensinar habilidades práticas (como gerenciar dinheiro, organizar o tempo, cuidar da higiene pessoal) e permitir que ele tente antes de intervir são formas de construir independência.
  • Relacionamentos: Ensinar sobre interações sociais pode ser um desafio, mas faz parte do processo. Explique regras implícitas de convivência, ajude a interpretar emoções e incentive interações em ambientes seguros, como grupos com interesses em comum.

Por fim, qual o papel dos pais no acolhimento e fortalecimento da autoestima de jovens com desenvolvimento atípico?

Mariana Bonnás – O adolescente que tem algum diagnóstico pode crescer ouvindo mensagens de que ele “não é bom o suficiente”, “não faz as coisas direito” ou “precisa se esforçar mais para ser como os outros”. Os pais têm um papel fundamental para quebrar esse ciclo de autocrítica.

Acolher é validar as emoções do filho, mostrar que ele não precisa ser igual a ninguém para ter valor e reforçar suas conquistas. Muitas vezes, os adolescentes com diagnóstico sentem que precisam se provar o tempo todo – mostrar que são capazes, que não vão decepcionar. Mas eles também precisam de um espaço onde podem simplesmente ser, sem medo de julgamento.

Sobre Mariana Sotero Bonnás

Mariana Sotero Bonnás é psicóloga referência no atendimento a mães atípicas. Formada em Psicologia pela PUCPR desde 2008. Cursou Pedagogia pela FAM, com conclusão em 2021. Possui especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental pela USP, Psicologia e Transtorno do Espectro Autista pela UNIARA e Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade de Educação São Luís. É Diretora do Núcleo de Acolhimento da Associação da Síndrome de Prader-Willi (SPW).

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