Tudo me preparou para isso e, ao mesmo tempo, nada me preparou para o que se remexeu aqui dentro.
Quase todas as minhas estruturas se desfizeram, e tantas outras precisaram ser erguidas, para que a minha nova versão pudesse vir à luz.
A maternidade é a chama mais brilhante da minha jornada: uma força avassaladora que me apontou novos rumos, encerrando ciclos e abrindo caminhos.
É como se toda a vida tivesse me conduzido até este momento e, ainda assim, eu precisasse acessar aprendizados inéditos, ressoando com a versão que nascia junto daquele ser que chegava, trazendo em si um espelho.
Olhar para esse espelho pode ser desconfortável, mas também me oferece a chance de reconhecer e soltar os incômodos que já não preciso carregar.
Desde então, vivo em constante transformação.
Na maior parte do tempo, são mudanças internas.
Aos olhos menos atentos, pode até parecer que nada mudou.
Mas, para quem enxerga com sensibilidade, é impossível não perceber: há uma revolução acontecendo.
Quando descobri que estava grávida, a primeira coisa que comprei para o enxoval não foram fraldas nem sapatinhos de tricô.
Comprei dois livros da Turma da Mônica, os meus favoritos.
O enxoval só ganhou forma mais tarde.
Era como se o essencial já estivesse ali uma ferramenta importante, mas também uma revelação: eu queria apresentar àquele ser ainda desconhecido a minha maior paixão os livros.
Flora cresceu descobrindo o mundo através deles: comprados, herdados, emprestados.
Quando aprendeu a andar, seus passos ainda inseguros a levavam até a pequena estante.
Às vezes, trazia um livro para que eu contasse uma história.
Outras vezes, sentava sozinha e folheava as páginas com a destreza das suas pequeninas mãos.
Certa vez, apresentei-lhe o mais importante para mim: Machado de Assis.
Dois anos depois, enquanto eu a apressava para a escola naquele papel de “monstro do relógio” que corre contra o tempo Flora buscou em sua estante Machado de Assis Menino.
Pediu para levar e foi o caminho inteiro abraçada ao livro.
Na saída da escola, ao me abraçar, contou orgulhosa que havia dito ao professor que aquele livro tinha sido da mamãe e pediu que ele o lesse para a turma.
Naquele mesmo período, eu havia decidido soltar meus próprios textos pelo mundo e criei um perfil nas redes sociais só para isso.
Lidamos com frustrações e expectativas sobre quem nossos filhos deveriam ser.
Mas, em momentos assim, percebemos que também podemos testemunhar nossas paixões florescendo neles, espalhadas pelo mundo em pequenas sementes.
Por Flávia Ranna – @veudelume





