Este texto nasce de uma escuta profunda realizada no contexto das Oficinas para mulheres na maternidade, projeto que venho desenvolvendo de forma autônoma como terapeuta ocupacional, em parceria com outras profissionais e mulheres.
Essas experiências me aproximaram das múltiplas vozes e ritmos das maternidades — entendidas aqui em sua pluralidade e potência.
A carta é escrita a partir da voz simbólica do “cantar”, uma atividade que atravessa o cotidiano do cuidado, do vínculo e da criação. Ela homenageia as mulheres que, entre o cotidiano do cuidado atravessado pela sobrecarga, reinventam coletivamente suas expressões e reencontram melodias transformativas.
Escrever essa carta foi também reencontrar o meu próprio canto: aquele que embala meu filho, mas também aquele que me sustenta.
Os encontros trouxeram o cantar como um caminho de conexão consigo mesmas — uma ponte entre o cuidado com o outro e o reencontro com o próprio cuidado de si.
Ao ouvi-las, fui também sendo tocada, como mãe de uma criança pequena, por suas histórias e memórias sonoras, e me vi atravessada por essa experiência. Reencontrei o meu próprio canto — aquele que embala meu filho, mas também aquele que me embala.
Essa carta é uma afirmação dessas vozes.
Um convite delicado para que possamos, pouco a pouco, recuperar nossa melodia interna e lembrar que ainda habitamos a nossa própria voz — mesmo quando ela se mistura ao choro, ao silêncio ou ao acalanto do dia a dia.
Uma carta em que o destinatário é o cantar e a remetente — a mulher-mãe.
A Carta
A mulher que canta
Campinas, 16 de junho de 2025
Querida mulher,
Ou talvez, querida mulher-mãe,
Hoje estou aqui para te lembrar o quanto pertenço a você.
Sei que, nestes últimos tempos, tenho me emprestado para confortar e divertir o seu bebê, e que venho sendo necessária no cultivo diário de uma forma de comunicação, de vínculo e de passagem para um ritmo comum entre vocês.
Cantamos muitas músicas, com muitos personagens, cantigas de ninar que estavam até escondidas em sua memória. Somos também muito criativas, não é? Quantas músicas já não inventamos?
“Dorme, neném, que está tudo bem
Vamos relaxar, para poder nanar
Olha, Gabriel, a lua está no céu.”
Porém, preciso te dizer que, apesar desse nosso compromisso incessante com o cuidado a que nos dispomos todos os dias — criando cotidianamente um pequeno universo para o seu bebê, com uma pitada de magia e acalanto — talvez agora a gente possa também retomar o nosso encontro mais íntimo.
Confesso que estou curiosa para saber qual será a nossa nova melodia: de onde e como irei surgir, do mais visceral e afetivo do seu corpo, para podermos vocalizar uma nova mensagem no mundo.
Almejo que sua garganta possa ser novamente passagem para nossas criações, pois, pelo que me recordo, nosso último dueto foi o grito do parto.
Que possamos viver o nosso próprio tempo — curar o necessário — e mover descobertas de si mesma.
Ah, e não se preocupe, também estarei presente para o seu bebê, sempre que desejar, sempre que precisar.
E, sobretudo, estarei te guiando a construir um espaço e um tempo do “entre”: entre o cuidado com o seu bebê e o cuidado consigo, minha querida.
Com afeto,
O cantar.
Por Aline Zacchi Farias – @alinezacchito





