As discussões atuais em torno da maternidade têm possibilitado que muitas mulheres tenham a oportunidade de ressignificarem esse processo tão carregado de pré-conceitos. Hoje podemos, ainda que timidamente, dizer da nossa solidão ao maternar, podemos, ainda que com julgamentos, dizer que não desejamos ter filhos, e quando as coisas ficam difíceis podemos lançar mão da tão famosa, “rede de apoio”.
Para o fim a que se destina esse humilde texto, que vou elaborando à medida que compartilho, tomarei como base esse último conceito com o objetivo de trazer minha experiência enquanto mãe, ao mesmo tempo que relaciono a maternidade a uma prática social e política.
O que é rede de apoio?
A Rede de apoio seria então, as pessoas e/ou instituições que nos ajudariam na tarefa árdua de criar nossos filhos, contrariando a antiga, porém sempre atual: quem pariu Mateus que balance. Nesse processo destaco a importância fundamental da elaboração de políticas públicas que garantam que nossas crianças tenham seus direitos básicos assegurados, todavia não é sobre esse ponto que desejo me debruçar.
É bastante comum ouvir em cursos que se destinam a tratar da maternidade consciente discursos do tipo: Você precisa encontrar um tempo para você, para fazer as coisas que gosta ou ainda: aqui em casa todas as tarefas são divididas com o pai, sugerindo que o feminismo tem causado transformações na maneira em que é realizada a divisão sexual do trabalho nos lares brasileiros, no entanto, o que tenho percebido é que ter uma rede de apoio, assim como tantos outros privilégios, é uma realidade de mulheres específicas, que não com surpresa, são brancas, casadas num padrão heteronormativo e de classe média ou média alta.
Rede de apoio e mulheres negras
Segundo o censo do IBGE, 61% das mães-solo são mulheres negras e vivem abaixo da linha da pobreza, isso nos conta que contratar serviços de uma profissional para que ela consiga garantir o seu bem-estar e o da sua criança, é inviável.
Para piorar, essa significativa parcela vive sob o julgamento de uma sociedade patriarcal e heteronormativa, que diz o tempo todo que a grande conquista de uma mulher é ter um bom marido e filhos vencedores, que a enxerga como irresponsável, profana, indigna dentre outros que nem preciso nomear, já que estes são adjetivos que estão, sem filtros, na boca de muitos cidadãos de bem.
Essa representação atinge pessoas próximas a mãe e a criança e que poderiam ser essa rede, mas acabam atuando sob esse julgamento. Não é difícil ouvirmos discursos do tipo: Não achou bom fazer? Agora tem que cuidar. Minha intenção não é culpabilizar essas pessoas, ao contrário, é entender todas essas questões tem como objetivo desculpabilizar qualquer um que esteja envolvido nesses processos, mas a questão é que, ainda que essas pessoas acolham e colaborem com a criação dessa criança, a mãe carrega consigo a sensação permanente de não estar fazendo bem o seu papel, que não deveria estar se divertindo, estudando, trabalhando, ou fazendo qualquer coisa que não tenha como objetivo primeiro, o filho (a), já que a suposta rede se certifica de o tempo todo lembrá-la de seu lugar no discurso social.
Quem eu sou neste texto? Sou esta que quis muitas coisas até descobrir que realizar todas elas seria uma luta diária contra as representações rígidas acerca da maternidade. Sou esta que lidou com a culpa, com o julgamento, com a pobreza, com o preconceito racial, e, olhando para suas crianças, quis contribuir com a transformação dessa realidade e lutar por um mundo novo onde as diferenças sejam aceitas e todo tipo de composição familiar seja digna de afeto e cuidado.
Autora: Aline Ciriaco, mulher, negra, periférica, estudante de psicologia e mãe solo da Ana e do Antonio. Inconformada e disposta a transformar, junto com a rede de apoio, as mazelas que nos vulnerabilizam. Insta: @ciriaco.al