Não sou a primeira mãe (e nem a última) a passar por uma situação absurda de exclusão com a minha filha e este não foi o primeiro (e nem será o último) texto indignado que eu escrevo. Sei que a vida será repleta de momentos desagradáveis como estes e não tem como alguém estar pronto para lidar com isso. O sentimento de impotência, a raiva, a mágoa: isso tudo acaba com a gente. Eu tento formar uma barreira protetora para que minha filha não perceba tudo o que se passa aqui. Hoje eu compreendo mais do que nunca o filme “A vida é bela” quando o Guido faz de tudo para que seu filho, Giosué, não perceba que ele está em perigo. Hoje eu sei como é fingir que está tudo lindo quando na verdade você só quer sair gritando com um monte de gente.
Não é a primeira, nem a última vez. Não sou a primeira nem a última mãe. E isso dói, me faz fraquejar por alguns segundos. A deficiência não seria tão difícil de lidar se tivéssemos mais senso de sociedade.
Minha filha ama ir à escola. Ela socializa, brinca com todas as crianças, das menores às maiores, grande parte delas vêm me abraçar e me cumprimentam como “mãe da Gê”. Crianças que muitas vezes eu nem tive o primeiro contato, mas que elas sabem quem eu sou e sabem quem ela é. Muito sociável, muito amorosa, também muito intensa: essa é minha filha. Quando entra o período de férias é o período mais difícil pra ela porque ela sente falta de atividades e de amigos ao mesmo tempo. Mesmo as idas ao parque ou uma possível viagem não supre essa necessidade do coletivo, deixa ela irritada e bagunça energeticamente todo o tratamento. Por isso fui atrás de cursos de férias e encontrei um de teatro musical com duração de 3 semanas e quase R$ 600.
Entendam que eu não tenho esse dinheiro disponível assim fácil. Para isso é preciso que eu faça pelo menos 80h de EXTRA (fora meu horário normal) para pagar e isso deixando de adquirir algumas coisas que eu quero (incluindo um fim de semana viajando com ela nas férias que sairia metade do preço). Mesmo assim achei bom e fui atrás. Só que antes de ir lá e pagar o curso, eu já estou acostumada a explicar o caso dela e de dizer que: estou disposta a ficar lá durante o período das aulas; caso ela comece alguma crise posso retirá-la antes da aula. Sei que ela vai perder período de aula e nem estou pedindo desconto mesmo sabendo que nem metade do conteúdo será aproveitado. Isso em QUALQUER atividade. Qualquer uma. Então, eu telefonei e falei com o rapaz responsável pelo administrativo e ele me pediu para que eu enviasse um e-mail para a coordenação para que eles pudessem avaliar a possibilidade da minha filha participar das aulas. Sinal vermelho número um.
Mãezinhas típicas: quantas de vocês já tiveram que mandar um e-mail explicando que seus filhos querem participar de atividades pagas e eles fossem avaliados em cursos com vagas ilimitadas?
Mãezinhas que têm filhos típicos E atípicos: quantas vezes com seus filhos típicos vocês passaram por isso? E os atípicos?
Mãezinhas atípicas, e vocês?
Eu, como mãe atípica, nunca tinha passado por isso. Eu sempre me certificava antes das atividades se poderiam oferecer algum risco e, tendo eliminado essa possibilidade (porque nem todo lugar é seguro, ainda mais para os nossos), eu deixava claro que eu sou a equipe de segurança da minha filha e sempre participamos das atividades. E isso já me deixou chateada, mas segui o protocolo mesmo assim e hoje eu abro o e-mail com a seguinte resposta:
“Boa noite! Tudo bem? Reencaminhei a sua solicitação para a Direção da Escola, mas infelizmente, não temos equipe preparada para lidar com situações especiais. O curso de férias, em especial é composto de turmas mais numerosas, o que acreditamos ser um contexto ainda mais delicado para a sua filha. Quaisquer dúvidas, estamos à disposição. Atenciosamente”
Eu fiquei TÃO indignada que eu respondi ao e-mail de uma forma bem assertiva. Disse que não pedi uma equipe que eu sou a equipe dela (que eu sempre fui); que eu me dispus a estar ali em sala; que eu seria o “controle de danos” em caso de crise; que eu me disponibilizava inclusive a retirá-la mais cedo da aula (caso fosse necessário) e nem por isso eu pedi desconto nem nada; que ela não precisa de equipe deles, mas que precisa de oportunidade de inclusão. Mas ainda agradeci educadamente por terem me respondido.
A Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, lei esta que Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), diz:
“Art. 1º. É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.”
Olhando para o e-mail que eu recebi é fácil dizer que eles não se opuseram à matrícula dela, que eles me deixaram ciente de que não teriam uma equipe para atendê-la e de que uma turma mais numerosa poderia ser um assunto delicado. Isso é óbvio para quem lê e não entende as coisas que a gente passa, mas se olharem mais a fundo dá para entender que:
1- Eles deixam claro que não têm como atender e nada fazem para atender quem tem necessidades;
2- Ignoram completamente a disponibilidade da mãe que já garantiu que será a equipe da qual eles falam;
3- Deixam “por conta e risco” para poder se respaldar caso dê alguma coisa errada, enfatizando a possível “insistência” da mãe quando já deixaram bem claro que não têm a tal equipe que não foi solicitada (aqui se der problema o erro é da mãe já que mãe é culpada por natureza).
Não promover a inclusão TAMBÉM é se opor à acessibilidade. É deixar claro “olha eu não tenho lugar pra você aqui”. É usar disso para fazer com que a gente desista de estar num lugar onde claramente não somos aceitas. É deixar explícito que seu lugar não é aqui e sim “com gente igual a você”. É isso o que eu vejo. Projetos diversos que não têm a capacidade de atender a um número alto de deficientes se esforçando para sobreviver com a pouca ajuda de ONGs e instituições de pesquisa e os diversos projetos que não são específicos para deficientes simplesmente nem aí para nós do mundo azul, basicamente dizendo “fiquem com os seus”. É isso o que eles querem: que sejamos cada vez mais segregados chamando isso de inclusão e dando desculpas como “não temos equipe”, “não estamos adaptados”, “não atendemos isso”.
A ignorância é TÃO grande que eles ignoraram completamente o fato de que eu disse que ela NÃO precisa de nada específico, só a professora tem que estar ok com o fato de que eu talvez tenha que retirar a criança antes da sala e pronto. NOSSA, QUE EQUIPE ESPECIALIZADA!!!! Precisa de um agente da NASA pra fazer isso (só que não porque eu faço isso).
Eu entendo que pessoas sem acesso à informação tenham dificuldades nesse assunto. Mas espera… Pessoas instruídas? Pessoas do ramo da arte (e artes CARÍSSIMAS, só não vou falar mais porque senão eu dou nomes e não vim aqui para isso). Pessoas OBVIAMENTE instruídas? PROFESSORES?
Não, eu não caio nessa. Isso não é falta de informação, esse tipo de coisa é falta de vontade mesmo.
Onde você puder olhar, seja no Facebook, televisão, jogar “autismo” no Google, traz milhões de informação e vai me dizer que gente com esse acesso não sabe lidar com isso? Não caio nessa e nenhum dos pais dos grupos de deficientes que eu participo caíram também. Ficou óbvio o preconceito aí no meio, a exclusão. E isso dói demais porque eles já deixam claro que não será um ambiente onde eles farão um esforço para se tornar acolhedor. Isso porque eles trabalham com crianças de 5 anos. Pequenas Ashley-O’s da nossa sociedade?
Por fim, eu sei que vai ter quem me fale que os pais esperam pagar o curso para os filhos aproveitarem, que os professores querem se concentrar e que minha filha pode “atrapalhar” eles. Mas eu também vou pagar e o maior prejuízo aqui é meu. Este pensamento é a prova cabal de que hoje em dia as pessoas não conseguem enxergar além do próprio umbigo.
É preciso uma aldeia para criar uma pessoa, desde que a pessoa não seja deficiente, porque aí tem que sair da zona de conforto. Aí ninguém quer.
Dizem que a sociedade não está pronta para os deficientes, mas eles EXISTEM independente de qualquer coisa. Não é que ela não esteja pronta, ela não quer estar pronta. A sociedade, na verdade, não quer que eles existam. Mas eles existem e nós resistimos.