Maternidade e identidade: A importância de pertencer

autora bárbara alves 0005 bárbara alves

Quase toda menina tem como primeiro presente uma boneca. Isso diz muito sobre as expectativas que cada menina, ainda na infância, alimenta em relação à sua vida adulta. Essas expectativas são atravessadas pelo que Valesca Zanello (2022) conceitua como dispositivo materno.

No dispositivo materno, a lógica sustentada é a lógica da servidão: a mulher aparece como alguém cuja função inata seria o cuidado. Mas o cuidado com quem? Sempre com o outro — quase nunca com ela mesma.

Esse dispositivo, descrito por Zanello, ilustra como o desenvolvimento psicossocial de meninas e adolescentes é atravessado pela nossa cultura, afunilando potencialidades e possibilidades femininas e reduzindo a identidade da mulher à figura da mãe EXCLUSIVAMENTE. 

Ao se tornar mãe, a mulher tende a viver um momento de transformações em que, muitas vezes, as questões relacionadas à sua saúde mental não são vistas com a  responsabilidade e o cuidado necessários. 

Pensar na identidade que se constrói a partir do nascimento de uma criança — ou do compromisso de ser cuidadora de outra pessoa — faz com que esse papel maternal se torne identitário, definindo a mulher enquanto indivíduo. Assim, entendemos como a maternidade vivenciada de forma solitária em nossa sociedade — afinal, “nascemos para ser mães e damos conta de tudo” — favorece o adoecimento mental das mulheres.

Falta acolhimento para que a mulher possa construir essa nova parte de sua identidade de uma forma integral e saudável.  Mas como vivenciar a maternidade de maneira saudável em uma sociedade que sobrecarrega  e naturaliza o trabalho do cuidado?

Podemos considerar a rede de apoio, a existência de lugares que acolham mulheres e seus filhos, e políticas públicas que favoreçam o investimento da mulher-mãe em suas potencialidades (como creches, por exemplo), como pilares fundamentais para garantir a saúde mental da mulher mãe. 

A exclusão é outro atravessamento que mulheres-mães vivenciam. Não há espaços projetados para crianças ou para mulheres com crianças. Falta, inclusive, disponibilidade afetiva e social para que possamos incluir essa mulher e essa criança — sobretudo porque, na maioria dos casos, a mãe é a principal figura de cuidado. 

Pensar na rede de apoio também é pensar na força do coletivo feminino. Afinal, na grande maioria das vezes, a rede de apoio das mulheres é formada por outras mulheres.

Em meio a tanta cobrança e invisibilidade, a relação dessa mulher consigo mesma tende a ficar fragilizada e distante. São infinitas demandas nas costas da mulher que é mãe. 

Hoje, pensamos o conceito de mãe solo também para mulheres casadas, mas cujos parceiros não assumem responsabilidades enquanto pais. Quando todas as decisões e responsabilidades recaem sobre uma única pessoa, essa pessoa ficará sobrecarregada. E, como vimos, a figura do cuidado em nossa sociedade é sempre a mulher. 

Naturalizar o ato de cuidar, associado à mulher, é reproduzir a ideia de que ela nasceu para isso — e, por isso, deve fazer sem reclamar e “dar conta de tudo”.

Pensando a invisibilidade e a sobrecarga como fatores estruturais da maternidade no patriarcado, entendemos como pode ser difícil — dependendendo do lugar social da mulher e das suas possibilidades materiais, como acesso básico à saúde, educação e lazer — contar com uma estrutura que favoreça a construção de uma identidade saudável em mulheres-mães. 

Se a responsabilidade do cuidado com a casa e com os membros da família é historicamente atribuída à mulher, em que momento essa mesma mulher consegue olhar para si, se reconhecer, explorar suas potencialidades e habilidades, e ter, inclusive, o tempo saudável de um descanso tão improvável para quem vive a maternidade na estrutura da misoginia?

Com carinho,

Por Bárbara Cristina Alves Miranda – @barbara.sao.seba

Referência: ZANELLO, Valeska. A  prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações. Curitiba: Appris, 2022

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