Quase toda menina tem como primeiro presente uma boneca. Isso diz muito sobre as expectativas que cada menina, ainda na infância, alimenta em relação à sua vida adulta. Essas expectativas são atravessadas pelo que Valesca Zanello (2022) conceitua como dispositivo materno.
No dispositivo materno, a lógica sustentada é a lógica da servidão: a mulher aparece como alguém cuja função inata seria o cuidado. Mas o cuidado com quem? Sempre com o outro — quase nunca com ela mesma.
Esse dispositivo, descrito por Zanello, ilustra como o desenvolvimento psicossocial de meninas e adolescentes é atravessado pela nossa cultura, afunilando potencialidades e possibilidades femininas e reduzindo a identidade da mulher à figura da mãe EXCLUSIVAMENTE.
Ao se tornar mãe, a mulher tende a viver um momento de transformações em que, muitas vezes, as questões relacionadas à sua saúde mental não são vistas com a responsabilidade e o cuidado necessários.
Pensar na identidade que se constrói a partir do nascimento de uma criança — ou do compromisso de ser cuidadora de outra pessoa — faz com que esse papel maternal se torne identitário, definindo a mulher enquanto indivíduo. Assim, entendemos como a maternidade vivenciada de forma solitária em nossa sociedade — afinal, “nascemos para ser mães e damos conta de tudo” — favorece o adoecimento mental das mulheres.
Falta acolhimento para que a mulher possa construir essa nova parte de sua identidade de uma forma integral e saudável. Mas como vivenciar a maternidade de maneira saudável em uma sociedade que sobrecarrega e naturaliza o trabalho do cuidado?
Podemos considerar a rede de apoio, a existência de lugares que acolham mulheres e seus filhos, e políticas públicas que favoreçam o investimento da mulher-mãe em suas potencialidades (como creches, por exemplo), como pilares fundamentais para garantir a saúde mental da mulher mãe.
A exclusão é outro atravessamento que mulheres-mães vivenciam. Não há espaços projetados para crianças ou para mulheres com crianças. Falta, inclusive, disponibilidade afetiva e social para que possamos incluir essa mulher e essa criança — sobretudo porque, na maioria dos casos, a mãe é a principal figura de cuidado.
Pensar na rede de apoio também é pensar na força do coletivo feminino. Afinal, na grande maioria das vezes, a rede de apoio das mulheres é formada por outras mulheres.
Em meio a tanta cobrança e invisibilidade, a relação dessa mulher consigo mesma tende a ficar fragilizada e distante. São infinitas demandas nas costas da mulher que é mãe.
Hoje, pensamos o conceito de mãe solo também para mulheres casadas, mas cujos parceiros não assumem responsabilidades enquanto pais. Quando todas as decisões e responsabilidades recaem sobre uma única pessoa, essa pessoa ficará sobrecarregada. E, como vimos, a figura do cuidado em nossa sociedade é sempre a mulher.
Naturalizar o ato de cuidar, associado à mulher, é reproduzir a ideia de que ela nasceu para isso — e, por isso, deve fazer sem reclamar e “dar conta de tudo”.
Pensando a invisibilidade e a sobrecarga como fatores estruturais da maternidade no patriarcado, entendemos como pode ser difícil — dependendendo do lugar social da mulher e das suas possibilidades materiais, como acesso básico à saúde, educação e lazer — contar com uma estrutura que favoreça a construção de uma identidade saudável em mulheres-mães.
Se a responsabilidade do cuidado com a casa e com os membros da família é historicamente atribuída à mulher, em que momento essa mesma mulher consegue olhar para si, se reconhecer, explorar suas potencialidades e habilidades, e ter, inclusive, o tempo saudável de um descanso tão improvável para quem vive a maternidade na estrutura da misoginia?
Com carinho,
Por Bárbara Cristina Alves Miranda – @barbara.sao.seba
Referência: ZANELLO, Valeska. A prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações. Curitiba: Appris, 2022





