Pela terceira vez e por toda uma vida

carol tavares

Eu disse, tantas e tantas vezes, que não tinha condições emocionais para engravidar outra vez. Mas, aconteceu. O susto veio no segundo mês da minha terceira gestação.

“Vacilaram, né?”. Eu estou com tantas coisas na cabeça e você ainda está me dizendo isso? Jura que não tem nada mais acolhedor para me falar? Que tal um abraço e um pacote de fraldas? Ainda assim, escolhemos seguir em frente com a gestação. Não foi um plano, mas foi uma escolha.

Estou mal. Estou exausta. Eu disse que não tinha condições. Eu não consigo ficar muito tempo em ambientes sociais e, quando volto, tenho uma estafa absurda. Sintomas de disautonomia, onde tenho quase desmaios em qualquer lugar, falta de ar e taquicardia. Tudo e mais um pouco. Tenho enjoo, tenho fome, tenho enjoo.

Mas o dia não para. A criança chora – e muito. Dorme em cima de mim, pressiona a barriga, me chuta e grita “mami”. Ela não está lidando bem com o desmame e parece estar ainda mais grudada. A mais velha está mais ciumenta. Mais complexa em suas emoções, demandas e devaneios.

Eu amo os três com tudo que tenho em mim. O problema é que entreguei tanto a esse amor que não sobrou nada de mim. “Você precisa descansar”, dizem, vivendo suas próprias vidas enquanto atravesso a cidade na segunda de manhã, com ônibus lotado, para levar Madá ao tratamento. “Você precisa meditar”, escrevem, enquanto saio correndo para buscar uma na escola, passo no mercado e pego a outra. Tento equilibrar a animação e cansaço pós-escola em um carrinho de dois lugares que carrego ladeira acima, barriga abaixo.

Sorrio. “Como vai chamar? Quantos meses? Você está bem?”. “Não sei. Preciso olhar o aplicativo. Não estou. E sigo. Sigo com essa sensação de estar correndo uma maratona enquanto gesto uma criança, tentando ser uma profissional incrível e, do nada, caindo umas bombas no meu colo. Enquanto eu desarmo uma a uma, manualmente, a bebê menor precisa de antibiótico e a maior está começando a ter falta de ar outra vez. Quase desmaio. Deito, pernas para cima, sal debaixo da língua. Levanto com um sorriso amarelo para atender a um “mamãe, mira!”. Miro. Olho. Vejo. Não enxergo. Sigo o flow.

Faço coisas divertidas e não sinto nada. Só cansaço, cada dia mais. Vejo séries, me revolto com o caos do mundo. Choro o caos de dentro e o chuveiro quebrado. Tão pouco, tão muito. Um mundo que segue girando sem me pedir permissão. E por que deveria? A escolha foi minha, não? Eu que leve adiante. Um mundo que esqueceu o que é ser comunidade nunca vai abraçar o que entende como escolhas individuais.

“Para quê por filho neste mundo, do jeito que está?”. A pergunta ressoa. Tem mil explicações, mas o cansaço é tanto, que não sobra espaço para ficar me explicando. Já que os problemas com o cuidado e a infância foram individualizados, porque eu deveria democratizar meu pensamento? A bola de neve que segue. Mais fácil fazer do que pedir ajuda. Mais fácil, até eu não aguentar mais. Qual o preço que eu pago por tentar abraçar o mundo?

E se eu não abraçar, quem vai? A vida segue, o mundo continua girando. Cada um está na sua casa, fazendo o seu rolê, pagando seus boletos. Nos esquecemos que não somos seres individuais e que não sobrevivemos aos predadores sozinhos. Mas, agora, somos predadores de nós mesmos e tudo que importa é pagar o boleto. Eu discordo, mas não tenho pra onde fugir. Gero mais boletos tentando pagar boletos. A conta da terapia, da academia, da meditação, das férias. A conta das tentativas de prazer, que me deixam ainda mais cansada.

Maternar não deveria ser ruim. Deveria ser bonito, coletivo e inspirador. Mas se tornou um “exalte uma mãe pela linda sobrecarga e sacrifício que ela carrega” e siga em frente. Pronto, você fez a sua parte. Muita gente quer ajudar, é verdade. Mas não é sobre ajuda, é sobre aldeia. E aldeia é um ideal que não cabe nessa engrenagem. Enquanto a gente não quebrar a roda, a roda vai quebrar a gente.

Acabo de perder preciosos minutos escrevendo um texto só para colocar para fora o que eu sentia. Preciso correr. Estou grávida, elas estão quase saindo da escola e o cliente me pediu coisas. Volta pra vida real, “guerreira”.

Por Carol Tavares – @descascoabacaxi

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