Acredito que, se eu já tivesse o domínio da fala quando nasci, eu não teria chorado na hora do parto. Teria gritado: Quero ser mãe!!! Quero ter filhos!!!
Me perguntam com frequência se gosto da maternidade depois que ela realmente aconteceu. Eu amo, mas não deixo de achar que é deliciosamente difícil e, acima de tudo, precisa ser escolha.
Só fui perceber o que realmente aconteceria quando eu me tornasse mãe, depois que Sofia e eu trocamos olhares. Seja para famílias que esperam gestando ansiosamente na fila de adoção ou para mulheres que vivenciam por meses seu corpo sendo modificado, o olhar, essa simbiose do primeiro contato é muito intensa. Pode ser alegria, desespero ou os dois juntos.
A partir daí, uma nova identidade surge. Nesse instante, em meio a troca de olhares, eu já não sabia mais quem era, mas sabia quem queria ser. Infelizmente, estava moldada por um padrão do que se supunha ser uma mãe ideal.
E diante do que parecia ser o ideal, do que se mostra perfeito, damos espaço para o desespero, o medo e a culpa. Não existe perfeição para criar um ser humano. A mulher que acreditava controlar o tempo, o sono e até a própria vida se desfaz para existir uma mãe.
Identidade em conflito!
Quero te contar sobre o dia que essa fase chegou pra mim. Essa história começou muito antes de eu me ver com Sofia nos braços. Oito anos antes de seu nascimento, ela já tinha roupas, estava em um pingente da minha corrente, tinha livros e brinquedos. Sofia já existia em nossos corações.
Foram longos e duros anos de espera. Em conversas angustiadas com Deus, por vezes eu achava que talvez nunca fosse tocar em seus cabelinhos. Passamos por várias intervenções médicas necessárias e nada acontecia. Espera, espera e mais espera.
Até que, em um dia precioso, diante de um milagre, eu estava gestando. Junto com uma criança, supostamente nasce uma mãe e nasce um pai. Talvez, estejam pela primeira vez, esses papéis não vem com manual.
De repente é madrugada, e no quarto só se ouve a respiração de pessoas que ainda precisam se conhecer. Uma pessoa que não sabe como é assumir o papel de bebê, outras aprendendo a ser mãe e pai.
Eu me lembro muito bem o dia em que eu e Sofia fomos apresentadas. Após o parto, ela foi para o berçário e eu para o quarto. Horas depois, era madrugada e eu estava sozinha, quando uma enfermeira entrou com um carrinho. Lá estava a nossa filha tão sonhada!
Eu me lembro de levantar a cabeça, sorrir e a enfermeira deixá-la comigo e simplesmente sair do quarto, a deixando ali.
Era só eu e ela!
Olhei para aquele ser tão pequeno e eu conseguia amar com a minha vida, mas o desespero era enorme também. Foi desesperador!!! E agora? O que eu faço? Como posso estar congelada? Eu trabalhava com crianças havia anos, orientava educadoras, esperava ser mãe a vida inteira… Eu cuidava de famílias e crianças, mas agora… não sabia nem por onde começar. Chorei.
Meus hormônios estavam um verdadeiro vulcão, meu corpo pesava ao ponto de meus joelhos doerem e eu cheia de pontos após uma cesárea. Chorei, chorei e não sabia como elaborar tudo aquilo!
Peguei minha filha nos braços e, hoje, sei que aprendemos juntas. Somos mãe e ela filha há apenas 11 anos. Precisamos aprender a nos comunicar, entender os sinais uma da outra. Aprendi em longos e difíceis dias, que eu não era mais a mesma mulher!
Naquela madrugada, após estarmos juntas e abraçadas na maternidade, eu não conseguia ver um palmo de alternativa e saída abaixo dos meus olhos. Mas, só havia espaço para o amor, muito amor e também muito medo de tudo o que estava acontecendo ali.
Voltando na cena do momento em que a enfermeira deixa Sofia e sai do quarto, eu tinha a escolha de deixar Sofia ali comigo, mas aquilo era amedrontador. Na nossa primeira noite juntas, não tive coragem! O medo tomou conta e pedi que a levassem de volta para dormir no berçário. Afinal, eram profissionais, saberiam o que fazer com um bebê. Esse era o pensamento! Meu instinto materno era esmagado pelo medo.
Minhas ações congeladas, por ideias que tinham sido colocadas em minha mente e coração. A maternidade da propaganda de margarina, foi esmagada pela responsabilidade de cuidar de uma criança.
Então, saiu o medo e dei lugar a culpa. Minha primeira culpa materna! Sabem como passei aquela noite? Em pé, após uma cesárea, no corredor do hospital, com o rosto prostrado no vidro do berçário, de roupão e chinelo de pano. Em pé, a olhando dormir e lavando o rosto em lágrimas.
Agora escrevo e lágrimas correm pela minha alma novamente, mas me acalento ao saber e poder te dizer, vai ser culpa atrás de culpa… e ela não serve para nada.
Não sabemos quanto tempo pode durar a angústia de assumir um novo papel em sua vida! Mas se ser mãe for seu desejo, você se sairá bem!
Haverá percalços, terão dias e dias de pijama, preocupações com sono, mamada, fralda, umbigo, higiene, cabelo preso e roupa com cheiro de leite. Não sabemos quanto tempo leva, mas tenho uma certeza: não pode ser solitário!
É preciso ter gente com a gente para pedir socorro! Gente que te lembre quem você é! É preciso às vezes, ligar para a “enfermaria” e ter com quem contar, sem culpa pra dizer: segura e embala ela/e porque agora eu não consigo! Olhar várias vezes no espelho e fazer perguntas sobre si mesma, e no íntimo procurar suas próprias respostas.
Consegui no puerpério ter uma paternidade presente. Ter rede de apoio, de mulheres que me cercaram com cuidados. Busquei profissionais que me auxiliassem. Não pode ser solitário o processo de cuidar e educar uma criança.
Tenho aprendido um pouco nos últimos 11 anos, sobre quem sou como mãe. Todos os dias, preciso me perguntar e lembrar, quem sou como mulher, o que quero, para conseguir ajudar outras mães.
Sim, eu já tirei o pijama, sobrevivi à culpa, voltei a dormir noites inteiras, a bolsa já havia diminuído de tamanho ao sair, minhas roupas voltaram ao tamanho de antes e já havia espaço na agenda para sair com as amigas.
E então, comecei tudo de novo quando Clarice nasceu!
Sorrio ao escrever…
Agradeço. Penso que veio uma nova mulher e outra mãe nasceu.
Mais uma vez, esperei ansiosamente pela troca de olhares. E, à primeira vista, chorei.
Por Kelly Bueno – @psi_kelly





