Dezenove de abril de dois mil e onze, onze e sete da noite. Naquela noite, na maternidade do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, nascia uma filha. Porém, de forma estranha não nasceu ali junto uma mãe. A mãe não estava presente no primeiro amamentar, no primeiro banho, no primeiro chorar. Só uma jovem assustada que há pouco havia completado a maioridade. Se presume que a mãe deveria estar ali. O instinto materno todos dizem que existe então o que aconteceu que a filha nasceu sem o nascimento da mãe?
Quando uma criança vem ao mundo é como se todos estivessem prontos para recebê-la, porém a tarefa de ser mãe nem sempre consegue ser incorporada por completo por aquela pessoa que a geriu. Quando minha filha nasceu eu mal sabia quem eu era, o que seria da minha vida. E naquele momento me dei conta que teria que dar conta de uma outra vida, de uma outra pessoa para além de mim. Foi assustador. Eu não nasci mãe dela quando ela nasceu. Eu fui construindo a personalidade de mãe conforme ela foi me ensinando o que fazer. Quando ela precisava de alguma coisa e eu não fazia a mínima ideia de como atendê-la eu me tornava mais um pouquinho mãe.
Dizem que se nasce mãe, que se tem instinto. Mas eu não tive. Quando ela teve a primeira crise de cólica eu entrei em desespero, depois de muito choro (meu e dela), quem a acalmou foi a madrinha, eu não sabia o que fazer. Quando ela desenvolveu Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) eu me culpei pois ela ainda mamava no peito e o que eu ingeria passava pra ela. Como uma mãe faz sua filha desenvolver uma alergia dessas? Quando eu precisei trabalhar eu não fazia ideia de como conseguir vaga em uma creche pública. Precisei de muita informação, precisei aprender muito pra poder descobrir os caminhos que me levariam até uma vaga numa creche perto de casa. Aliás, eu como mãe não sabia como fazer ela se adaptar à creche. Eu ainda atrapalhava. Ela chorava, eu chorava. Eu ficava do lado de fora observando, ela me via de longe e chorava. As professoras me ensinaram o caminho para a adaptação dela, pois eu não sabia.
Cada fase, cada ano, cada acontecimento, eu fui aprendendo de acordo com o que ela me sinalizava que precisava. Eu não sabia ser mãe. Eu não conseguia ser mãe. Quando ela caiu e machucou o rosto perto do olho eu fui a culpada, eu deixei ela brincar com aquela bola e por isso ela estava naquele momento sentindo dor e precisando levar pontos. Tanto a culpa era minha que ela quis a companhia do pai na sala de atendimento pois eu não parava de chorar de preocupação. Como que uma mãe age assim? A mãe dela não nasceu em mim quando ela nasceu. Eu ainda estava aprendendo. E quem estava me ensinando era ela. Dia após dia. Eu ali, tomando nota e absorvendo o conhecimento que ela me transmitia. Eu não sabia ser mãe. Eu precisava que ela me ensinasse.
Onze anos se passaram, até chegar o dia em que me dei conta, quando ela assumiu a responsabilidade de cuidar de mim numa crise de depressão, que eu havia nascido mãe. Ela fazendo comigo as coisas que eu fazia com ela, ela cuidando de mim como cuidei dela, ali eu percebi de fato que eu havia sim nascido mãe, no dia em que ela nasceu. Pois a partir daquele momento eu passei a aprender com ela, e conforme ela crescia, ela também aprendia comigo.
Eu ainda acho que instinto materno não é algo predisposto, não é algo que pré-existe. Mas posso dizer que sim, que eu nasci mãe no dia em que minha filha nasceu. Eu sabia ser mãe, tanto sabia que minha filha só me direcionava pro caminho certo. A gente se entende apesar das dificuldades e ela com catorze anos continua me ensinando todos os dias, e eu continuo construindo minha personalidade materna. Ser mãe é construção diária e coletiva. Mas sim, naquele dezenove de abril nasceu uma filha e nasceu uma mãe.
Por Cris Derner – @crisderner





