Coluna – O privilégio de estar presente

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Ah, quando as mães privilegiadas se derem conta de tamanho privilégio, pode ser tarde demais.

Chegam as férias escolares e, enquanto algumas mães suspiram alívio, outras suspiram cansaço. Nos grupos de mensagens ou nos encontros nas festas de aniversário, o que mais se ouve é: “O que vou fazer com essas crianças em casa?”

E assim, várias atividades são enfiadas goela abaixo das crianças, porque a mãe precisa ocupá-las — e olhe que, nos dias de hoje, grande parte das famílias tem apenas um filho.

Era ainda o fim de semana após o término das aulas, e eu já ouvia uma mãe aqui, outra ali, murmurando sobre onde levar seu filho, porque ele “não para”.

Essas mães — muitas vezes donas de casa (ou do próprio negócio), com colaboradores em suas residências — não se preocupam em montar uma programação com seus filhos, mas sim em colocá-los na colônia de férias ou na oficina de pintura; em comprar o famoso caderninho de colorir e as mil e uma canetas; ou passar algumas boas horas no ar-condicionado do shopping center.

Ah, quem dera a mãe preta pudesse também desfrutar de momentos com os seus!

Sem dúvida, seriam momentos regados a algumas horas no celular, muitos gritos de “sai daí, moleque!”, preces pela volta às aulas e pedidos de bênçãos sobre a vida da santa da professora.

Mas, com certeza, o que essa mãe faria — antes de tudo — seria se agarrar à sua cria e desfrutar dos momentos simples, porque ela conhece a grandeza que eles têm. Porque, na maioria das vezes, é ela quem, nas férias escolares, cuida dos filhos das outras. É ela quem sempre arruma um bico para que o gás dure até o fim do mês, já que as crianças estão em casa — e comem o tempo todo.

Enquanto outras mães selecionam alimentos saudáveis e nutritivos, a mãe preta estoca embutidos e industrializados, já que o mais velho precisa cuidar dos menores.

Talvez essa mesma mãe não tenha vivido com seus próprios pais momentos de aconchego, mas ela sabe que o tempo voa, que o filho cresce, e que a saudade desse tempo vira cicatriz.

Existem também as mães pretas privilegiadas, que se sobrecarregam com outros afazeres (ou prazeres), e cujos filhos acabam tendo o afeto materno terceirizado. Essas querem oferecer aquilo que não tiveram ou, ainda, garantir — ou ao menos tentar — que o futuro seja galgado com menos desgaste e mais felicidade, mesmo que baseado em bens materiais e pouco (ou nenhum) sufoco financeiro. Por isso ela cobra: estude! Demonstre interesse! Seja o melhor! Destaque-se! E ela sabe que, mesmo assim, ainda podem escolher o outro.

Há também mães não pretas que ralam pra caramba e que, apesar do privilégio aparente da cor da pele, também são esmagadas pela falta de tempo com os seus.

Qual a solução?

Não há.

Porque mãe é mãe, independente de cor, classe ou privilégio.

Desmerecer qualquer uma delas é muita covardia.

Este texto é uma mera reflexão da mãe preta que vos fala — baseada em observações cotidianas, mensagens subliminares, olhares perdidos e desabafos da exaustão de ser mãe — que, na maioria das vezes, se encontra sozinha, mesmo rodeada de gente.

Férias escolares. E a mãe?

Autor

  • Natalia Maria Souza Veloso

    Oiê! Sou Natália Maria Souza Veloso, ou simplesmente Net Veloso.
    Professora há quase 20 anos. Magistério, Letras e Pedagogia. Pós-graduação, mestrado e doutorado em maternidade, rs. Contadora de histórias nas horas vagas! Casada, mãe de 3. Mãe preta de 3. Passei por 4 gestações. Sonhadora! Acredito no fantástico poder da escrita! Ela me libertou! Que minhas linhas atinjam corações; que sejam acalento e coragem; resistência e luz! E que tais linhas tornem- se laços de apoio e que a representatividade se faça viva! Instagram: @netveloso

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