Irmãs do abuso

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“Você observou o padrão de comportamento dele?” Ser questionada sobre um padrão de comportamento a fez recordar os estudos que fizera e os relatos que ouvira. Ela era mais uma vítima; havia uma bagagem de informações que davam embasamento a isso. As lágrimas foram inevitáveis. Caiu nas mãos erradas. O comportamento dele… Mães solo. Mães solo de uma menina. Mulheres pós-graduadas, inteligentes, amantes dos livros. Boas pessoas, que se preocupam com o outro. Ele se repete. Quantas tatuagens de casal ele terá em sua coleção até que seja responsabilizado pela violência que comete?

Havia um padrão e um perfil de mulher, ela sabia. Desde que juntou todas as características, isso não saía de sua cabeça. Mas agora, com todos os critérios verbalizados, vistos de fora, ela dói por inteiro, e o nervosismo toma as rédeas de seu corpo. Dói diferente do tapa, das mordidas, mas dói. Seu estado nervoso é diferente daquele que sentia nas frações de segundo em que teve acesso ao olhar sombrio dele: um abismo, um vazio. O nada por trás da máscara. Mas, ainda hoje, seu corpo treme.

Ele se ajoelhou em público para pedir algo a ela, conquistou o coração de sua filha, e assim também fez com a ex e a sua pequena. Operou tudo de modo que nunca assumisse um erro; ao contrário, agiu todo o tempo para que acreditassem, ambas as mulheres, que foram as responsáveis pelo fracasso da relação. Afinal, um cara gentil, que se ajoelha a seus pés, que demonstra tanto amor e respeito em público, jamais seria um abusador, pensa a sociedade. Quantas mulheres ele ainda vai ferir sem que as pessoas ao redor percebam?

Um cara “bem persuasivo”, como ele mesmo disse certa vez. Sugou sua alegria, seu sorriso fácil. Manipulou toda uma história para ceifar a relação dela com o melhor amigo. Quando ela adoeceu, virou um estorvo para ele. E, por não nutrir mais suas intenções, em toda briga ele ameaçava terminar o relacionamento e passou a sugerir, sutilmente, que ela se mantivesse sob o efeito do benzodiazepínico, para além da dose receitada pela psiquiatra, do mesmo modo que levava sua ex a ultrapassar os limites do álcool. Mas ela conseguiu romper o ciclo, por não ter mais forças de seguir adiante e, principalmente, por contar com uma rede de apoio.

Ele não aceitou ser mandado embora. Disse aos quatro ventos que quem acabou foi ele. Quis difamá-la. Ela virou mais uma ex que surtou, e ele partiu para a próxima vítima. Então, ela reza baixinho todos os dias para que a próxima sobreviva.

Por Mayara Lemos – @mayaralemosbr

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