Desconstruções maternas

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Idealizamos nossos filhos! Projetamos sobre eles as mais diversas expectativas. Sonhamos com as conquistas e pensamos sobre suas escolhas.
Entretanto, nenhum filho é perfeito; apenas o idealizado.

Nascendo com alguma deficiência, seja qual for, as exigências de cuidado e amparo serão diferentes.
Mas talvez, e seja talvez apenas, o maior entrave se estabelece nas emoções. Todas as expectativas e projeções desabam no futuro das incertezas (como se tivéssemos certeza de algo!).

A paz que nos conduz à aceitação de nossa realidade e de nossas circunstancialidades, é o enfrentamento do luto do filho ideal. Quando paramos de alimentar a ideia utópica do filho perfeito, (tenta-se) deixa-se de lado as esperanças egoísticas que se acoplam à maternidade.
As palavras deste texto me fazem trilhar caminhos novamente quando um dia eu chorei… chorei aquilo que, provavelmente, não realizar-se-á.

Chorei as lembranças destoadas dos meus desejos… chorei a apresentação da escola quando a professora ficou com você, enquanto as outras crianças dançavam a música do ballet…chorei os prognósticos, chorei o que a convulsão me roubou… chorei a graciosidade e a curiosidade do bebê de 7, 8 meses que experimenta o mundo e que não vivemos… lembrei do bebê com hipotonia e que apenas crescia de tamanho, dormindo a maior parte do dia, nas tentativas de controlar a epilepsia do primeiro ano de vida que não queria largar minha filha…
Mas, às vésperas dos seus 16 anos, percebo tantas aprendizagens. A melhor delas é a possibilidade de me alegrar com quem você se torna a cada dia.

Nós somos duas; ela com seu jeito “especial” de ser, e eu me adequando ao que ela não é para “sermos”. Não foi assim que imaginei, mas foi assim que se configurou. A maternidade atípica traz seus desafios.
Têm dias que somos solidão; dias que somos alegrias.
Vibro as amizades que faz, as descobertas que realiza, porque suas alegrias são novidades; aprendi a olhá-las las pelo seu prisma. Dispo-me de mim para vivê-la.

Formato-me todos os dias para encontrar-me com você.

Sim, eu pensei. Pensei que poderia moldá-la aos meus referenciais. Enganei-me!
Foi justamente quando me despi das expectativas, que pude vê-la. Foi justamente quando percebi que a vida não é dos iguais que eu a enxerguei.

Despir me fez que eu me vestisse de você. Tive que fazer isto, porque por um momento sou teu corpo, apenas por um momento.
Meu desejo hoje é que através de seus desejos você se desvencilhe de mim. Não quero ser seus passos; quero que você tenha os seus próprios.

Hoje eu te encontro um pouco, todos os dias. Nossos corações se reconhecem e eles se desejam!
Quando eu te reconheço, eu vou me recuperando, me reavendo. Como se você me devolvesse uma arte (não final!) mais aprimorada do rascunho que sempre fui.

Eu vivo a maternidade atípica, aquela que se diferencia de tudo o que me falaram, com a novidade dos dias preocupados e dos sentimentos, por vezes, indecifráveis.

O sentimento que me constituiu nos primeiros anos de sua vida fica distante… tinha um sentimento “eu não a fiz direito”! A questão é que de tanto saber “que eu a fiz direito”, ela é a Maravilha. Mas a Maravilha que ela é não cabe nas formas estabelecidas (e vai tentar convencer uma mãe que caber na “forma” não é importante!).

E não caber na forma exige da mãe certo esvaziamento. Aquele esvaziamento que te leva à renúncia das expectativas.
Pensar e admitir publicamente meu pensamento de que não a fiz direito revela nuances desta quem escreve! Quem pode controlar o futuro?
Podemos, pelo presente, contemplar vestígios de boas esperanças.

Estou aqui a ninar a Aceitação. A gente não se dá muito bem desde que nossos caminhos se cruzaram, a saber desde o nascimento da minha filha. Fui birrenta e, às vezes, quero fugir dEla, mas Ela insiste em me buscar e gritar: “para de pretensão ao achar que você é tão boa a fim de não fazer direito!”

A Aceitação segura minha mão, diz que nosso amor desformatado é possível e legítimo, afinal, o melhor não está ao meu lado, o melhor está à minha frente!!

Quero “libertar”-me, Beatriz, para ser melhor para mim e para você.

Nota: Beatriz é uma adolescente de 15 anos, com condição genética chamada “microdeleção do cromossomo 16”, cursando para quadro de epilepsia, deficiência intelectual moderada e TEA, nível 2 de suporte.

Está se alfabetizando no nono ano do Ensino Fundamental. É extremamente comunicativa e alegre, tendo hiperfoco em pessoas.

Por Gisele Mestieri – @giselemestieri

Revisado por: Angélica Filha

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