Acompanhando as impressões de três blogueiras sobre seus partos e puerpérios, notei uma afirmação em comum apresentada por elas: “Desde que tive meu filho (a), admiro ainda mais as mulheres que passam por tudo isso sozinhas ou sem uma rede de apoio”.
Essas palavras normalmente são acompanhadas de uma voz comovente, decorada pela entonação de solidariedade entre mulheres, onde se compartilham as mesmas dores e reconhecem o quão difícil podem ser estes processos da vida materna.
Quero dizer a elas (e a todos nós que habitualmente usamos este discurso) que mulheres-mães não precisam dessa admiração, este tipo de sentimento aparentemente solidário e altruísta apenas atrapalha ainda mais nossos caminhos por uma vida justa e igual em termos de acolhimento e respeito às maternidades. De fato, a admiração camufla nosso processo reflexivo sobre a condição feminina na estrutura social e as soluções práticas e reais que poderiam estar ao nosso alcance.
Ficou difícil entender? Vou trazer um exemplo. Neste tempo de pandemia, você já deve ter visto um quadro comparativo do Brasil e dos EUA sobre o tratamento de pacientes com Covid-19 no quesito financeiro, de um lado, os pacientes americanos com contas hospitalares exorbitantes, do outro, brasileiros de todas as classes sociais recebendo atendimento gratuito.
Ao ver esta comparação, o sentimento que lhe vêm à mente é admiração? Você admira a força de vontade do cidadão americano em não ter saúde pública gratuita para tratar de uma doença que afetou o mundo inteiro e que faz a população mundial estar suscetível a um vírus mortal? Ou sua movimentação interna foi sentir alívio por não estar nesta condição e revolta por perceber que um país tão rico e central da economia mundial não consegue oferecer o mínimo de bem-estar físico para seus patriotas? Não é horrível descobrir que a pessoa trabalha, estuda, paga impostos e não tem direito a ter saúde, a menos que possa pagar por isso?
Quero transferir esta impressão de revolta que você sentiu para a proteção e cuidado da maternidade em nossa sociedade. O amparo à mulher como um todo não faz parte da nossa cultura, do nosso discurso e até da identidade feminina normatizante. Fomos condicionados a observar a trilha de dor, cansaço físico, esgotamento mental, tripla jornada e violência/abuso/assédio ao corpo feminino como um caminho difícil, triste e digno de admiração. Nossa, como as mulheres aguentam tudo isso, né?
Como aquela vizinha mãe solo é admirável por ter 3 filhos que não recebem pensão, e ainda assim ela consegue colocar tudo dentro de casa, continua tentando melhorar sua carreira e vencer os obstáculos do dia a dia (como o assédio moral e sexual do patrão)! Quando mais velha esta mulher será altamente admirada pela família e pela sociedade por ter doado sua vida em nome do amor e do cuidado incondicional.
Tira essa admiração do nosso caminho e deixa passar a justiça e igualdade, por favor! Admirar uma condição de dor e sofrimento nos mantém em um estado passivo, conformado, apático diante da realidade. Assistimos de camarote aquelas que se sacrificam pelas futuras gerações e se responsabilizam pela economia do cuidado sem receber nada em troca.
Enfim, entendo que, em vista de demonstrar apoio e identificação com a dor do outro, usamos o termo admiração para esclarecer nossa intenção, mas em amplitudes maiores e de real mudança social, admirar não auxilia e com certeza perdura a situação de injustiça à qual as mulheres estão submetidas, se for para admirar, que sejam as iniciativas amplas e iguais de acesso a proteção e cuidado a mulher e a vida materna. Tirando isso, nada justifica normalizarmos sofrimento, dor e desigualdade.
Autora: Carla Fontoura. Instagram: @karla.expansiva.dilacerante.
Este texto foi revisado por Arícia Oliveira.