Saí da sessão de terapia e fiquei repetindo para mim mesma o que tinha dito a psicóloga sobre a minha maternidade. No final da sessão, conversamos exatamente sobre isso: a importância de falar para poder se ouvir e entender o que realmente a gente sente.
Durante o encontro, a maternidade não foi o mote principal. Antes, falávamos sobre o meu relacionamento com o pai das crianças, mas, como se pode ver, está tudo muito interligado. Então, chegamos ao ponto: “o que ser mãe representa pra mim?”.
“Um misto de tantas coisas”, eu respondi. Da imensa satisfação ao peso da sobrecarga e da incompreensão. Incompreensão de quem a gente mais espera ser compreendida: nosso parceiro. Talvez, tenha virado ex-parceiro justamente por isso.
Voltando à reflexão do que a maternidade representa, falei “não imagino a minha vida sem meus filhos”. Logo em seguida, relatei que, depois de um dia todo de trabalho em outra cidade, voltando pra casa, no carro da lotação, fiquei pensando o seguinte:
Se eu chegasse em casa, e não tivesse crianças para olhar, conversar um pouco,
cuidar da janta, conferir a bolsa da escola, a escovação dos dentes e colocar pra
dormir, eu poderia chegar e simplesmente cuidar só de mim. Tirar a roupa, ficar à
vontade, tomar um banho sem pressa, desfazer a bagagem, comer, talvez trabalhar
um pouco mais no computador, assistir ou ler alguma coisa e ir dormir...
Até o final da sessão, não tinha me dado conta da minha fala. E, depois de repassá-la na cabeça, pensei: “Que baita contradição dizer que não imagino a minha vida sem meus filhos e, no entanto, conseguir imaginar toda a trajetória do que faria em casa, quando chegasse do trabalho, se não tivesse crianças.”
Aí veio a culpa: “Caramba! Eu verdadeiramente consigo imaginar como seria a minha vida sem meus filhos!” Depois, veio o salvo-conduto: “Ah, mas imaginar não é desejar.” Será?
Não me atrevo a falar de subconsciente ou de teorias freudianas, pois não tenho estudo pra isso, e só de mencionar esse pouquinho, já peço desculpas se tiver dizendo besteira. Mas será que imaginar não é desejar em alguma instância? E se assim for, será que é pecado ter esse desejo de uma vida sem filhos, em algumas situações, no caso de você já tê-los? Amo menos as minhas crianças por desejar não tê-las em alguns momentos das nossas vidas? Não tenho respostas. E dividir essas questões aqui pode ser um ato de coragem, mas muito mais de medo por não saber respondê-las.
Eu sempre quis ser mãe. E quis ter exatamente duas crianças. Sonhei, planejei, me organizei e engravidei duas vezes. Porém, entendo que ser mãe não é só sobre mim, ou sobre as minhas crianças, não é individual. É algo que se vive em conjunto, no coletivo. Afinal, ninguém faz filho sozinha, ainda que infelizmente cuide sozinha depois “de fazer”. Porque a maneira como eu exerço a minha maternidade é reflexo e ao mesmo tempo refletor de uma sociedade e de uma cultura.
Por exemplo, aos pais normalmente é dada toda liberdade de escolha entre criar ou não os seus
filhos. Ninguém vai questionar o pai que viaja a trabalho, que passa dias e dias longe das suas crianças, se ele as ama pouco ou muito por isso. Mas experimente você, como mãe, “abrir mão” do convívio diário com seus filhos, e assumir abertamente essa escolha. Parece repetitivo insistir nisso, mas é necessário. Temos que repetir até o dia em que não exista uma mãe sequer culpada na face da terra.
A verdade é que a gente não só imagina a vida sem crianças, como por vezes deseja essa realidade. Nossas redes de apoio estão aí para provar. Qual mãe nunca pirou quando não tinha aula na escola e a criança teve que ficar com ela o dia todo em casa? É tão absurdo assim você querer descansar um pouco, ou não querer ter a responsabilidade quase que ininterrupta de cuidar dos filhos?
A gente precisa viver um pouco da vida longe dos filhos, pela nossa saúde, pela saúde deles, pelo bem de todo mundo. E no final das contas, a maternidade é mesmo esse misto de contradições – com tradições que precisam ser quebradas.
—
Autora: Isabella Morais – @isabellamoraisvasconcelos