Coluna – O censo do autismo: uma visão subjetiva (da mãe aqui) dos números

Quem tem feito interpretações duvidosas?

Coluna – O censo do autismo: uma visão subjetiva (da mãe aqui) dos números

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O censo geral da população brasileira realizado em 2022 contou pela primeira vez com perguntas específicas sobre a população autista do país. 

Cruzando dados, o IBGE conseguiu elencar números importantes sobre acesso à educação, saúde e diagnóstico. Vejam bem, os números não mentem mas não dizem toda a verdade.

Quem tem feito interpretações duvidosas? Os interessados em desinformação como planos de saúde, inúmeros perfis de instagram e até mesmo, a agência de notícias do próprio IBGE. Em todos, alguns dados são entendidos pelo oposto do que representam e tidos como uma verdade que a gente sabe que não pode ser tida como única.

Números não geram verdades, ainda mais numa população tão ampla, eles ajudam a criar hipóteses, a abrir caminhos, a questionar suposições infundadas, mas um panorama real está longe de ter só dados qualitativos.

Vou analisar aqui afirmações destacadas que saíram na própria matéria da Agência de Notícias do IBGE e que causam muita confusão se não forem lidas corretamente.

E alguém hoje lê para além dos destaques?

“Autismo é maior entre crianças e adolescentes”

Vejam bem o quanto essa afirmação além de ser errada é feita com toda certeza por alguém que nunca leu sobre autismo. Ela diz duas coisas complicadas. Primeiro: que o autismo é algo que se “cura” ou “passa”, afinal, se ele é maior em crianças e adolescentes, ele deixa de existir quando esses mesmos crescem e viram adultos?

Mas quando vamos lendo o resto da notícia vemos como colocar em evidência essa afirmação é ainda mais perigosa. Pois o que diz o estudo:

Entre os grupos etários, a prevalência de diagnóstico de autismo foi maior entre os mais jovens: 2,1% no grupo de 0 e 4 anos de idade, 2,6% entre 5 e 9 anos, 1,9% entre 10 e 14 anos e 1,3% entre 15 e 19 anos. Esses percentuais representam, ao todo, 1,1 milhão de pessoas de 0 a 14 anos com autismo. Nos demais grupos etários, os percentuais oscilaram entre 0,8% e 1,0%. (grifo nosso)

O que tem prevalência mesmo é o diagnóstico e não o autismo. Sim, é isso mesmo que precisávamos saber: que de 0 a 15 anos é mais provável conseguir o diagnóstico de autismo.  E mais, cruzando os dados idade e sexo o estudo mostra ainda que há mais diagnósticos do sexo masculino. O autismo ainda é azul, né?

O dado importante revelado aqui é que os parâmetros de diagnósticos continuam ultrapassados e pouco acessíveis depois de uma certa faixa etária.

Faltam neuropediatras na maioria dos estados brasileiros para fazer diagnósticos da faixa 0 a 15 anos, imaginem então o quanto falta de psiquiatra com pós em autismo para fazer esse diagnóstico em adultos.

Diagnóstico de TEA é maior entre os brancos

O tanto que me doeu ler isso! Claro que branco não tem mais autismo que as demais raças. Nem precisava continuar lendo os dados para afirmar isso, mas vamos lá:

O maior percentual de pessoas com autismo se deu entre as pessoas declaradas brancas, com 1,3%, o que equivale a 1,1 milhão de pessoas. A menor prevalência está entre as pessoas de cor ou raça indígena, com 0,9%, o que representa 11,4 mil pessoas. 

 Novamente, o que está sendo mesmo levado em conta é o diagnóstico e nesse recorte vemos algo que fala sobre a desigualdade social brasileira e como isso respinga no acesso a esse serviço de saúde.

Percebem que os números dizem na verdade: têm mais brancos diagnosticados e menos indígenas diagnosticados? Por que será?

Porque o acesso a diagnóstico é caro e tem recorte de classe, para além da raça. Não é que brancos tenham tendência a ser mais autistas, é que a classe média e classe média alta, que podem pagar o custo de uma ou duas consultas de 500 reais para ter esse diagnóstico, é predominantemente branca.

População com autismo têm maior taxa de escolarização

Essa afirmação aqui eu ri alto! Porque os números revelam, supostamente, que tem mais autista estudando que crianças sem nenhuma deficiência.

Alguma família do espectro acredita nessa afirmação?

Aí vamos ler os dados com mais cuidado e nos deparamos com A taxa de escolarização da população com autismo (36,9%) foi superior à observada na população geral (24,3%).”

É na comparação que mora o erro.

Os dados de educação alertam, na verdade, para uma realidade que cada dia grita que falta e falta muito para inclusão total de pessoas no espectro nos diversos segmentos de da educação formal.

Assim, entre as pessoas com autismo, essa etapa da educação básica apresentou maior concentração relativa do que na população estudantil total. Nos demais grupos de idade, a relação se inverte: os percentuais de estudantes com autismo são menores do que os do total de estudantes.

À medida que a régua da educação vai aumentando, da básica para ensino médio, de ensino médio para universitária os números vão despencando. 

A maior parte dos estudantes com autismo estava matriculada no ensino fundamental regular, totalizando 508 mil pessoas, ou 66,8% dos estudantes com autismo no Brasil. Já o ensino médio regular concentrava 93,6 mil estudantes com autismo e representava apenas 12,3% dos que frequentavam a escola. Esses dados apontam que a trajetória escolar dos estudantes com autismo está concentrada nas etapas iniciais da educação básica.

Sim, de 1º ano a 5º ano tem muito autista (em específico autista homem branco), de 6º ano a 9º ano diminui, e é praticamente nula no ensino médio em diante.

Nenhuma novidade para a mãe aqui que todo ano se depara com mais e mais despreparo para com suas filhas na rede escolar pública. 

Qual será o motivo de tanta evasão escolar por parte da comunidade autista? 

Essa é a pergunta que deve guiar a política pública de educação inclusiva neste país e me atrevo a exigir: farão algum dia um levantamento qualitativo dessa formação básica que nossos filhos recebem?

Porque minhas filhas, autistas, nível 2 e 3, não são sequer avaliadas na escola, nem mesmo visto no caderno recebem, não fazem prova BRASIL, nem provas do estado, que geram dados sobre a qualidade da educação que está sendo feita nas escolas públicas.

Onde existe, no Ministério da de Educação, um parâmetro que cobre que a educação inclusiva dada seja suficiente para levar nossas crianças para universidades?

Pois que eu saiba, a comunidade autista, ainda tem que fazer o Enem para entrar nas universidades. Ou só merecem esse lugar os autistas gênios? 

Parei por aqui, dados ótimos, um aplauso ao esforço do IBGE, mas espero realmente que as políticas públicas que nascerem, sejam feitas com a interpretação correta de dados.

Que tenha também autistas criando essas políticas, mães e pais de autistas sendo ouvidos, profissionais corretos e com estudos sérios.

Não se enganem! Quem vive essa realidade precisa ser ouvido, não podem ser só números que digam sobre nós.

FONTES:

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/43464-censo-2022-identifica-2-4-milhoes-de-pessoas-diagnosticadas-com-autismo-no-brasil

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/43464-censo-2022-identifica-2-4-milhoes-de-pessoas-diagnosticadas-com-autismo-no-brasil

https://open.substack.com/pub/maedeze/p/censo-2022-dados-ineditos-sobre-autismo-209?r=1ns2z7&utm_campaign=post&utm_medium=web&showWelcomeOnShare=false

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