Coluna | O filme Bruxas e o Baby Blues

WITCHES Elizabeth Sankey

Witches, de Elizabeth Sankey (2024), é um documentário que consegue ser delicado e, ao mesmo tempo, profundamente doloroso. Ao tratar de um tema que ainda é tabu, Sankey consegue trazer um ponto de vista intimista, já que fala muito dela mesma, mas também universal, ao mostrar que, diferente do que se acredita, a depressão no puerpério é muito comum. Dizem que, quando nasce um filho, nasce a mãe. Mas nem sempre isso ocorre. E, sim, isso também é natural, também é humano.

O documentário resgata como a caça às bruxas estigmatizou mulheres que não se encaixavam nos padrões estabelecidos pela sociedade patriarcal. No filme, a diretora projeta, nas bruxas da História, a figura de resistência, de força, daquelas que, ainda que tenham sucumbido, atuaram na defesa de direitos fundamentais das mulheres, e daquelas que, sobrevivendo, mantiveram vivas as tradições e a epistemologia que a opressão misógina tentava extinguir.

Mas o que, afinal, as bruxas teriam a ver com a depressão e o baby blues? Apesar de isso não ser questão fechada no filme, o que fica latente é que, de algum modo, a sabedoria ancestral — essa que foi perseguida, marginalizada e oprimida durante a perseguição às mulheres sábias (aquelas que eram acusadas de bruxaria) — pode ser uma via de cura ou, no mínimo, um amparo para as mulheres afetadas. Pode ou poderia (?), já que, de fato, a herança dessa sabedoria nos foi tirada, em sua quase totalidade, pelo processo misógino da caça às bruxas.

O documentário traz relatos fortes e amorosos (sim, porque o amor por si mesmas e pelos filhos também está presente na montanha-russa de sentimentos que se opera nesses casos) de mulheres que enfrentaram estados profundos de comprometimento psicológico e físico em decorrência dessa condição tão pouco tratada e tão negada pela sociedade patriarcal e conservadora.

Sim. É extremamente necessário falar sobre isso. E, sim, ainda vai continuar sendo extremamente necessário falar sobre isso nos próximos anos. Ainda estamos, certamente, apenas iniciando o debate. Depois de anos (séculos) de negação, de tragédias atribuídas a tantas outras razões para disfarçar o que, de fato, pode acontecer no corpo e na mente das mulheres no puerpério, ainda estamos no início do caminho. É preciso que falemos disso nas reuniões de mulheres, de mães, mas também em tantos outros locais: em fóruns sobre saúde pública, em espaços para promoção de políticas públicas para mulheres e para crianças, em consultórios médicos e hospitais etc. Quando a mulher conhece o baby blues através da experiência no corpo, sem saber de antemão do que se trata, as consequências tendem a ser muito piores.

Esse filme, além de uma experiência cinematográfica bem-vinda — já que tem um tratamento de imagem, uma construção de narrativa, um ritmo, tudo muito bem arranjado —, também se constitui em uma tentativa de iniciar esse diálogo. O cinema também é espaço para se trazer à tona o que está escondido, disfarçado por baixo do senso comum conservador, que insiste em não olhar para as feridas que levam tantas mulheres ao fim precoce.

Serviço
Bruxas – Elizabeth Sankey, 2024
Disponível em streaming no Mubi.

Autor

  • Regina Miranda

    Regina Miranda é autora de três livros publicados com a editora Caravana, sendo um deles o infantil "O sabor das coisas", cuja história foi co-criada com a filha, de cinco anos na época. Também participa de coletâneas como com o Selo OfFlip, e publicações em revistas digitais, como a Revista Intransitiva. Apaixonada pelo universo da literatura, é formada em Letras pela UFPR com especialização em Educação a Distância pelo Senac. Já foi professora no ensino fundamental e, hoje, leciona aulas particulares de produção de texto, além de participar da organização do Clube de Leitura Feminista em Curitiba, onde mora atualmente. Divulga seus trabalhos literários e reflexões diversas pelo perfil de Instagram @reginaliber2020

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