Eu tinha acabado de entrar em um pequeno armarinho, quando observei a conversa que se desenrolava entre a caixa e a funcionária do balcão. “Odeio ser mãe!”, a mulher de cabelos cacheados e longas unhas vermelhas bradava. “Tive minha filha com 24 anos e foi só sofrimento. Ela me acordava a noite inteira. Jogo isso na cara todo dia e ela ri. Mas, que sofrimento!”
Sua expressão parecia querer falar mais daquela experiência dolorosa, porém, percebendo minha presença, ela se conteve, provavelmente imaginando algum tipo de julgamento da minha parte. Olhei para ela e demonstrei empatia. Com tamanha liberdade, ela continuou sua história. Eu permaneci ao seu lado, balançando a cabeça e validando seus sentimentos. Imagino que, poucas vezes em sua vida materna, ela vivenciou a possibilidade de falar dessa forma sem ser massacrada com o senso comum: “Ser mãe é difícil, mas vale a pena”.
Eu jamais diria isso a ela! Não apenas porque sou mãe e compreendo o que significa cada palavra de dor e de angústia que saía de sua boca, mas também pelo fato de ter aprendido a importância da ambivalência materna, um assunto abordado nas discussões de pesquisadoras do campo materno e que deveria ser apropriado por qualquer mulher que é mãe ou deseja estar nesse lugar em algum momento.
Autoras as quais se aprofundaram no estudo do campo da maternidade reconhecem a presença de sentimentos dicotômicos em relação ao filho, como o amor e o ódio. Sabemos que o amor é altamente exaltado nesta relação e sua ausência completamente renegada. No entanto, a maior parte das mães não têm coragem de abordar o último, sendo um sentimento escondido, mascarado, contido. Como Parker afirma: “o sentimento de culpa provocado pelo reconhecimento da ambivalência materna pode se tornar avassalador, imobilizando as paixões maternas, em vez de provocar a circulação destas” (PARKER, 1997, p. 41).
Com esse silenciamento, a possibilidade de vivenciar estados depressivos ou questões de saúde mental mais graves é enorme. Quem faz terapia, sabe da importância de nomear sentimentos, no intuito de que eles não dominem nossos pensamentos. Porém, é preciso um lugar seguro e respeitoso para expressá-los. Será que as mães podem achar esse espaço enquanto vivenciam o exercício materno? Normalmente, não… Por isso, faz todo sentido as redes sociais terem se tornado um dos seus maiores refúgios.
Ter a oportunidade de se reconhecer na fala de outras, incluindo as sensações mais negativas e dolorosas da maternidade, é libertador para muitas mulheres. É um primeiro passo para lembrarem que ser mãe é uma experiência humana e vulnerável como qualquer outra. Além disso, reconhecer as dificuldades dessa jornada liberta as sujeitas da opressão do perfeccionismo. Consequentemente, elas podem diminuir essa carga emocional das suas mentes, melhorando a qualidade da saúde mental. Assim, abrace sua ambivalência materna. Afinal, mães amam e mães também odeiam!
FONTE
PARKER, Rozsika. A Mãe Dividida: a experiência da ambivalência materna. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997.
Revisão: Angelica Filha – @angelicaafilha.