Maternidades plurais na mãe solo

Maternidades plurais na mãe solo

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Se você é mãe e está separada/divorciada, é muito importante que descubra um fato que demorei dois anos para considerar sobre minha maternidade: existe mãe solo com pai presente. 

Primeiro de tudo, vamos analisar a mãe solo? O termo em si é super recente, por isso, precisamos revisitar sua origem, à famosa ideia da “mãe solteira”.  Resumidamente, mãe solteira seria aquela mulher que não tem o pai do seu filho/a presente. Normalmente, são mulheres abandonadas em alguma fase da maternidade e, sozinhas, precisam cuidar, alimentar e prover para sua prole. O antigo uso da nomenclatura “mãe solteira” apresentava a possibilidade de ser alterado. Caso a mulher em questão se casasse novamente, o novo marido poderia assumir ou não a paternidade dos filhos/as dela. Se positivo, a partir desse momento ela seria apenas a mãe. Solteira? Não mais. 

Mãe solo é um termo que surge das discussões feministas, especialmente a respeito da diferença entre parentalidade e estado civil. Pegando o gancho do questionamento sobre a validade do casamento como única forma de reconhecer as conjugalidades, as feministas interpretam que uma mãe que não possui a presença do pai da criança, ao se casar ou se juntar com alguém, pode mudar seu status conjugal, mas a ausência paterna na criação do filho não teria motivo para ser alterada, mesmo que o companheiro atual quisesse assumir esse papel. Assim, ela é uma mãe solo, referente a ser sozinha na sua parentalidade, mesmo que esteja acompanhada amorosamente por outro adulto. Ao adotar esse termo, evitamos isentar o pai real da criança da responsabilidade que ele descartou, independentemente das novas circunstâncias. 

Na época da minha separação, eu já estava acostumada com o “mãe solteira” e aprendendo a assimilar o “mãe solo”. Mas, apesar dos dois termos serem partes de uma evolução de uma ideia, ainda não era incluída, na discussão, diferentes nuances da maternidade solo. Quando eu pensava nessa mãe, solteira ou solo, só imaginava aquela que não tinha um rastro da figura paterna por perto. No máximo, ele poderia morar na mesma cidade e até ter amigos em comuns, mas seria alguém bem distante e isento de seu lugar de parentalidade. Quase como a lenda do boto, o pai seria um homem fugido, que não quis assumir seu papel e sofre uma leve condenação por não dar amor e cuidado ao filho, mas, tem garantida a liberdade de assumir um “não jeito para a paternidade”. 

Olhar isso e minha história pós-separação parecia incompatível. O pai não era fugido, acompanhou a criança de perto desde o nascimento, colocou nome na certidão e tudo. Em sua paternidade quase ativa/quase inerte, que me causou grande carga mental e estafa, esteve de alguma forma “presente”. Quando o casamento acaba, ele se mostra disposto a continuar o que já estava construindo e, após eu mudar de cidade, há interesse da parte dele em pagar a pensão e saber da criança, com contato online regular. Porém, na minha vida diária, as decisões se acumulam em quantidade muito maior e me dedico a passar tudo para o pai com constância, ao ponto de criar tabelas de organização, calendários e agendas sobre as etapas a serem discutidas. 

O retorno do pai sobre esse gerenciamento magistral são frases do tipo: “Ótimo! Decida o que for melhor”, “Perfeito, qual a sua preferência?”, “Muito interessante… Me avise o que eu preciso fazer”. Quem já aprendeu sobre carga mental, sabe o que vou concluir aqui. O divórcio já havia acontecido, mas a carga mental não foi embora com ele, porque a dinâmica do pai permanecia a mesma da época do matrimônio. Sutilmente, ele me deixou tomar todas as decisões sozinha, e a urgência da vida me fez seguir nesse ritmo e assumir tudo, sendo resguardada por um leve sombra de “apoio” paterno. 

Um dia despertei! Percebi que sombra não se mexe, não movimenta, não ajuda, nem alivia o peso das inúmeras decisões que a parentalidade exige. Daí em diante, foi só eu juntar a matemática mais simples e básica: sou mãe? Sim! Sou sozinha? Sim! Logo, sou mãe sozinha, sou mãe solo, porque o pai apenas quer continuar sendo o amigão do filho, mas, não tem qualquer interesse ou disposição para contribuir nas necessidades constantes de criação dele. Não era nada fácil assumir para mim mesma a maternidade solo, porque eu estava tomada por pensamentos, do tipo: “Pelo menos, ele paga pensão”, “Pelo menos, ele fica com a criança nas férias”, “Pelo menos, ele faz videochamada com o menino”. 

O fato de haver mulheres em condições muito mais precárias sobre a presença paterna, onde a figura simplesmente não existia, ou não contribuia financeiramente com nada, ou aparecia apenas em datas especiais e depois sumia, ou que prometia aparecer e nunca o fazia, sendo retratos do sofrimento incutido na vida de milhares de mães brasileiras, me fazia sentir extremamente culpada por adotar uma nomenclatura que traduz minha condição, mas não se compara a outras realidades. Até que descobri a pluralidade da maternidade solo!

Ela será explicada pela Ana Lucia Dias, advogada e idealizadora do IG @odireitodasmaes que, refutando a definição da Academia Brasileira de Letras sobre Mãe Solo que diz: “Mãe que assume de forma exclusiva todas as responsabilidades pela criação do filho, tanto financeiras quanto afetivas, em uma família monoparental”, a profissional desafia essa percepção, listando a variabilidade de condições que torna a mulher solitária no seu processo de cuidar de um filho/a. Confira:

  • Ausência de apoio e suporte paterno nas decisões físicas, materiais e afetivas. 
  • Quando o genitor não modifica sua vida, rotina, compromissos e não dá suporte integral às necessidades de seus filhos. 
  • Desconsideração da criança como prioridade absoluta cujo cuidado deveria ser partilhado no momento em que o filho necessita. 

Em todos os casos apontados, a mulher é submetida a uma condição de vulnerabilidade física ou emocional por conta da maternidade, enquanto o outro lado não possui sua vida diretamente afetada pela paternidade. E essas observações dela ainda levam em consideração a presença ou não de rede de apoio paga, ou voluntária, afinal, essa rede pode se perder a qualquer momento e ainda cabe à mãe providenciar todo seu gerenciamento – até mesmo, pagar por ela! 

Levando em conta essas observações da advogada, eu me entendo completamente como mãe solo e adoto esse termo até quando discuto com o pai e outras pessoas da família sobre as questões do meu filho. Encaixando-se perfeitamente na descrição da Ana Lucia, o genitor não só evitou se movimentar para tomar decisões conjuntas comigo – como relato no texto – como tomou (e toma) inúmeras decisões em que a criança não é prioridade, seguindo a vida como se a parentalidade não fizesse parte do seu compromisso rotineiro.  

Uma delas, que me marcou muito, é quando ele decide mudar de cidade porque queria “seguir seu sonho”.  Ele sai de um emprego estável, com carteira assinada e benefícios, em uma cidade próxima ao filho e morando por conta própria, para ir a uma região bem mais distante, viver como autônomo, ganhando bem menos e morando na casa da nova namorada. Lembro que ele, assim que se muda, pede para baixar em quase 50% o valor da pensão porque teve “muitos gastos com a mudança”. Fico atordoada e converso sobre o assunto com uma amiga minha que foi certeira quando disse: “Ele toma as decisões dele, sem qualquer cabimento, e o primeiro prejudicado é o filho, que agora vai ter sua manutenção e bem-estar afetados?”. 

Percebem como isso me torna mãe solo? O sujeito decide quando ou não cumprir sua  obrigação porque ele sabe que a mãe está ali, disponível para proteger a criança enquanto ele caminha na sua vida com a tranquilidade que nada da paternidade irá afetá-lo. Nessa situação, já entendendo o padrão paterno, neguei veementemente qualquer mudança no valor da pensão. Direta e objetiva, falei que o filho dele não tinha nada a ver com seus novos planos – que, por sinal, não aprimorariam nada na relação dos dois. Pelo contrário, só piorariam e criariam mais distanciamento. Sabe o que aconteceu? Ele “deu um jeito” e manteve o valor. Percebem como o sujeito tem condições, mas, não coloca a criança como prioridade? Como não se sentir solitária nesse processo?

Nas nuances dessa maternidade solo, precisamos sempre deixar redondamente esclarecido que, a ponta do pêndulo, a maternidade solo do pai inexistente, sempre será muito pior. Lidar com a rotina de cuidado de outro ser humano sem a presença de outro adulto, sem suporte financeiro, físico, emocional é uma questão séria que afeta tanto a qualidade de vida da mãe, quanto da criança em questão. Deixando isso claro, pontuemos brevemente o outro lado do pêndulo, que eu vivi por um tempo e muitas mulheres ainda vivem: a maternidade solo da mulher casada. 

Se você leu esse texto e se identificou com as situações que vivi e as descrições que trouxe, mas, se isentou desse lugar da maternidade solo, por estar ainda casada e não ter previsão de separação ou divórcio (seja pelo motivo que for), por favor, não desconsidere. Viver como mãe solo, ainda que envolvida em um relacionamento com o pai da criança, se inclui na discussão, porque, como a Ana Lucia apontou muito bem, essa condição abrange toda situação de vulnerabilidade que uma mãe vive no cuidado parental, como contraponto da não presença/participação paterna. 

Percebo que esse tipo de discussão é muito recente e tem crescido à medida que as mulheres têm se apropriado da nomenclatura para validar sua condição materna. Portanto, se uma mulher se apresentar a você como “mãe solo” e você perceber que ela possui pensão garantida e rede de apoio, não invalide o que ela diz. Na rotina dessa mulher, ela sabe muito bem as condições de solidão a qual é submetida pelo abandono dos deveres parentais do pai do seu filho/a. Você acabou de ler um texto de uma delas, mãe solo, Karla Fontoura.   

FONTE:

https://www.instagram.com/p/Ckva93xObAV

Por Karla Fontoura – @karla.expansiva.dilacerante

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