Ter meu filho me fez descobrir que nunca tive opção como mulher: é ser mãe ou ser mãe. Para quem preza por liberdade como eu, doeu muito perceber que nunca poderia escolher não ser mãe.
A maternidade compulsória é mais do que uma ideia. É uma cultura costurada em nossa carne desde a infância. Bonecas e bebês de plástico não são brinquedos, mas “ensaios”. As pessoas nos elogiam quando falamos do desejo de ser mãe, prevêem a quantidade de filhos que teremos, falam que temos jeito ou que não tardaremos em tê-los. Lembro de me sentir poderosa ao perceber o que despertava nas pessoas ao ser vista como uma futura mãe: alegria, contentamento, empolgação. Parecia que agora todos me olhavam de verdade porque parecia que estava cumprindo o papel mais importante.
Ao mesmo tempo que experimentei uma liberdade emocional enorme na gravidez e muito mais quando pari, entendi que o mundo não estava pronto pra mim e pro meu filho. Seja pela falta básica de acessibilidade para uma mãe com bebê, seja pelas pessoas sumirem da minha vida porque não se dispunham a se adaptar ao meu novo ritmo ou seja por rejeitarem minha voracidade, minha força e minha sensualidade recém descobertas, pois espera-se da mãe brandura, doçura, paciência e castidade. Eu sempre digo que parir tirou metade das minhas carências emocionais e me deu um sentido de autonomia incrível, mas quando tentei experimentar isso na vida descobri que o mundo não queria me ver assim.
Eu nunca fui livre mas só descobri isso quando virei mãe. Mais ainda, fui descobrir que ser mãe me deu novas prisões. Mesmo os maridos/companheiros carinhosos, legais e responsáveis não estão nos espaços da gestação, parto, puerpério. Eles não têm tempo, têm outras prioridades, ou preferem que a gente resuma o assunto. Eles não compram os livros de maternidade, não participam de grupos de Facebook e não compram o enxoval. Eles sabem que a mãe vai dar conta, acham que temos jeito pra coisa e reclamam que não tem grupos de Facebook de pais (mas eles também não montam os grupos). E no meio disso tudo você ainda ouve pra não ligar pra isso, afinal eles só se conectam ao filho depois dos dois anos de idade.
Para piorar, achava que ter apoio na maternidade seria algo natural, afinal tem tanta gente babando pelo bebê, achando-o lindo, perfeito, maravilhoso, não? Maternar é viver nesse mundo ilusório de elogios fofos e vazios e voltar para casa e ver que mundo continua ali para você dar conta – na maioria das vezes – sozinha. A gente se sente confusa e culpada por não conseguir fazer a lista completa da maternidade. A gente tenta pedir ajuda mas não sabe como, ou todo mundo tá ocupado demais. Ser mãe é engolir a seco uma alegria que muitas vezes não acontece. Sorrir quando não se quer. Fazer cara de nada quando ouve bobagens e assim por diante.
Junte todas as coisas que falei antes: maternidade compulsória, cobrança da sociedade, falta de apoio externo e interno. O resultado disso é que o título de mães nos torna invisíveis. Ser mulher, ser pessoa, ser humana é um direito que se escapa dos nossos dedos na vida materna. E isso afeta inclusive o comportamento dos nossos filhos. Como, na maioria das vezes, eles são pouco divididos com outras pessoas e vivemos em embates com essas miniaturas de gente para conquistar nossos espaços.
Vou exemplificar com um meio termo que consegui com meu filho. Ele queria que dormíssemos juntos pra sempre. Eu disse que não, que eu quero meu espaço e minha cama. Ele se chateou. Então chegamos ao acordo de eu ficar do ladinho até ele apagar. E a mão dele fica ali se certificando que estou perto. Vocês não tem ideia de como nos debatemos internamente para estabelecer estes limites sadios e importantes para nossa identidade. O ideal é que tivéssemos pessoas para nos ajudar nisso. Mas não acontece e acaba que nós mesmas precisamos lutar por esse espaço.
Enfim, falo diretamente sobre maternidade compulsória porque continuo na luta para conquistar o que é meu: meu espaço, minha identidade, minha vida.
Este texto foi revisado por Luiza Gandini.