COLUNA | A Fada do Dente sou eu

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Ontem foi mais um dia que o dente do meu filho caiu. Foi o oitavo dente de leite perdido e lá vamos nós, colocar o dentinho debaixo do travesseiro para que a fada do dente troque por um moedinha de um real. A criança dormiu e eu fiquei acordada. Jantei, vi um filme e fui deitar exausta, já pensando nas tarefas do dia seguinte.

No meio da sonolência, dou um salto: “A fada do dente sou eu!” Sim, quase me esqueço que eu era a tal fada e seria a responsável por escrever a cartinha e deixar a moeda.

Nesse momento passei a refletir todos os personagens do imaginário infantil que estão ligados a presentes como papai noel, fada do dente, coelhinho da páscoa.

Atrás da fantasia desse mundo de imaginação e pureza está uma mãe, aquela que marcou no calendário a data comemorativa, usou seu tempo para escolher o que e como o presente será dado, se programou para comprar os insumos necessários e, ao cair da noite, deu um beijo na testa da criança e se manteve acordada para preparar a surpresa do dia seguinte.

Por exemplo, na Páscoa, um dia antes, eu dediquei boa parte do meu tempo montando estratégias de caça aos ovos, escrevendo em papéis, pensando em esconderijos na casa e, claro, manchando meus dedos com as patinhas do coelhinho. Nessas pré-noites de dias especiais, sempre penso nas milhares de mulheres ao redor do mundo que estão na mesma situação.

Lembro também de mim, criança, acordando no meio da noite e, vendo a luz acesa da sala, percebendo os barulhinhos de papéis e tesouras e os movimentos de mainha. Às vezes, sentia cheiros do que seria o almoço especial do dia seguinte, a quentura da cozinha e a habilidade da minha mãe de se locomover entre os dois ambientes.

Toda vez que estou nessas madrugadas, eu choro, choro muito, pensando: por que estamos sozinhas fazendo isso? Por que de novo, o calendário nos fez correr, lutar na rotina apertada para oferecer esse momento de alegria aos nossos pequenos e ninguém notou isso?

Eu sei que, se você, mãe, não quis fazer isso por qualquer motivo, se o cansaço foi mais forte ou se o dinheiro não foi suficiente, seu coração ficou apertado e talvez a madrugada foi de agonia e tristeza. Mas porquê? Por que só você está se lamentando, enquanto os homens da família seguem como se nada estivesse acontecendo?

No dia da celebração, eles vão achar lindo o que vocês fizeram, talvez eles agradeçam, admirem seu “grande talento” e exaltem a incrível mãe de seus filhos. Mas ano que vem, será você novamente – sozinha – que estará fazendo os barulhos da madrugada.

Um dia, meu filho descobrirá que o papai noel, o coelhinho da páscoa e a fada do dente não existem e talvez ele nem se importe com essa revelação.

Mas quero fazer questão de avisar a ele que a vida desses personagens nasceram de pessoas reais, de mães empenhadas, exaustas e sobrecarregadas que sonhavam com o sorriso de seus filhos. Quero que ele desperte para enxergar que se esse imaginário infantil ainda permanece em nossos lares pela força materna.

Por isso, hoje meu sonho é que o amparo à maternidade não seja um conto de fadas, mas uma prioridade das famílias, governos e da sociedade como um todo.

Revisão: Luiza Gandini – @lougandini.

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