Por: Luana Helena Bedin
Há pouco mais de 4 meses acredito ter passado pela maior mudança que pode acontecer na vida de uma mulher: me tornei mãe. Durante a gestação, ouvi diversas vezes a seguinte frase: “quando nasce um bebê, nasce uma mãe” e isso é a mais pura verdade.
Não sei se isso vale pra todas as mulheres, mas em mim foi nítida a percepção dessa força descomunal que me habitava, aguardando, inerte, o momento de se propagar no maravilhoso – porém não fácil – mundo do maternar. Contudo, o que pouco – ou quase nada – se fala é que quando nasce uma mãe, morre uma mulher.
Durante esses últimos 4 meses, tenho vivido o meu próprio luto enquanto vejo a vida passar pela janela da minha casa. A sensação é de que a cada dia eu desapareço um pouco e sempre que passo em frente ao espelho minha imagem está cada vez mais translúcida.
No pouco reflexo que resta, há uma mulher feia, com um corpo estranho e um rosto cansado. Ela quase sempre está descabelada e malvestida e na esmagadora maioria das vezes segura algo em seus braços: seu bebê.
Um bebê que cresce lindo e saudável, que me enche de alegrias pelas menores e mais simples coisas, mas que virou uma muralha entre mim e o mundo. Porque como se não bastasse eu me ver e não me reconhecer, o mundo parece fazer questão de diminuir todas as minhas necessidades na mesma proporção em que validam as necessidades da minha bebê.
Eu não sou ninguém. Eu sou apenas um meio para um fim: um bebê fofinho com seus pezinhos gorduchos e sorriso banguela.
Conforme minha filha cresce e se desenvolve, mais interessante ela se torna e mais eu desapareço. Desnutrida de imagem e reduzida à semelhança dela eu choro escondida no chuveiro, esperando que o vapor embace o espelho e eu não seja obrigada a encarar esse espectro disforme da mulher que fui outrora.
Eventualmente, alguém olha pela janela de casa e toca a campainha. Alguém parece querer entrar nessa atmosfera paralela que se tornou meu lar, no qual o mundo gira devagar e minutos muitas vezes parecem horas.
Abro o portão e enquanto espero na porta, faço o melhor que posso pra ajeitar a blusa suja de leite e tento colocar – sem sucesso – o cabelo errante no lugar, ao passo que ensaio meu melhor sorriso.
Por 3 ou 4 segundos eu esqueço do cheiro de leite azedo que exala das minhas roupas, afinal há alguém querendo me ver. Ouço os passos em aproximação, libero o sorriso ensaiado que parece não pertencer àquele rosto tão cansado e digo, quase cantarolando: “que bom que você quis entrar, eu estava com saudades!”.
Contudo, como uma onda gigante e devastadora, mais um alguém, nada diferente de tantos outros alguéns, sequer olha pro meu cabelo “arrumado”, apenas abre os braços enquanto sutilmente arranca do meu colo a única parte em mim que não é um fantasma, sem sequer notar meu sorriso desaparecendo junto comigo.
“Como ela está?”, “Está mamando bem?”, “Engordou, né?”, “Quando será a próxima consulta com a pediatra?”, “Ela dormiu bem essa noite?”, “Você já desistiu das fraldas ecológicas?”, “Para de ser teimosa e dá logo chupeta pra ela!”, “Se der mamadeira ela vai dormir a noite toda.”, “Bota ela pra dormir no quarto dela porque esse bebê no quarto vai acabar com seu casamento.”, “Você já voltou a trabalhar ou só está cuidando dela?”, “Nossa, como você emagreceu.”. Opa, alguém olhou pra mim! Mas antes que eu consiga responder, sou atropelada pelo restante da frase: “, já está com o corpo que tinha antes de engravidar!”.
Com a boca semiaberta, estática, busco a imagem da mulher que existia antes de engravidar, procuro nas minhas memórias como era meu corpo, meu cabelo, minhas roupas e meu sorriso. Inspiro profundamente esperando sentir no ar o aroma doce e marcante dos perfumes que costumava usar, mas só encontro o cheiro azedo do leite há pouco regurgitado em mim.
E quanto mais eu tento, mais eu falho e mais eu desapareço. Não sei se sou eu que estou sumindo ou o ar que está ficando denso, fica difícil até de respirar. Com a sensação de estar dissociada do meu corpo inerte na porta, vejo alguém brincando com minha bebê gorducha de sorriso banguela.
Sinto na alma que, embora muitos alguéns batam à porta, ninguém, absolutamente ninguém vai reparar se eu sumir no ar. Deixo minha mente solta e peço pro vento me levar pela janela pra longe de tudo e de todos.
Aqui fora da janela o tempo passa, não se arrasta. Parece até que sinto novamente aquele aroma de perfume quando mexo meus cabelos hidratados e alinhados. Aqui fora lembro-me da liberdade que tinha quando vivia outra vida, quando eu era uma mulher, não uma mãe quase invisível que não trabalha e “só” cuida do seu bebê enquanto vê a vida passar pela janela de casa.
Revisão: Gisele Sertão- @afagodemaeoficial