Dando sequência ao texto anterior, observamos que a transição do parto domiciliar para o parto hospitalar, ou seja, a medicalização do parto, provocou diversas mudanças nesse cenário.
É importante destacar que aqui no Brasil a criação das primeiras maternidades reforçou o caráter classista e racista uma vez que as primeiras experiências médicas foram realizadas em mulheres escravizadas, mães solteiras, prostitutas e mulheres pobres que serviram de cobaia aos praticantes dos cursos de medicina, contribuindo assim para o êxito da prática obstétrica. Portanto, além das mulheres serem completamente afastadas do ambiente familiar, feminino, acolhedor e da sua autonomia, ou qualquer poder de decisão, foi-se imprimindo violências diferentes às mulheres, violência esta que foi se institucionalizando (logo chegamos nesse assunto!).
A participação ativa dos profissionais no contexto assistencial trouxe melhorias aos índices de mortalidade materno-infantil, entretanto, representou significativas mudanças no cenário do parto. Desde então, o corpo das mulheres se encontra sob o saber médico, profissão essa hierarquizada socialmente e de domínio masculino, que o vê como objeto de trabalho e de saber, as mulheres se encontram, portanto, subordinadas e limitadas por fronteiras sociais do que cabe ou não ao seu corpo.
As parturientes deixaram de ser cuidadas pelas parteiras e passaram a ser assistidas pelo olhar patológico da medicina ocidental, majoritariamente exercida pelos homens, ou seja, o médico tornou-se o “salvador”, “aquele que realmente dá vida”. A medicalização do parto, portanto, transformou o que era compreendido como um fenômeno de dimensão emocional, psíquica, pessoal, social, cultural, sexual e espiritual, em algo reduzido a uma dimensão puramente biológica.
Antes de seguimos, é necessário abrir um parêntese e reconhecer que diante do tamanho e da diversidade do nosso país ainda hoje encontramos locais onde os nascimentos seguem os moldes de décadas e mesmo séculos atrás, com tudo o que isso tem, de bom e ruim. Também precisamos considerar que cada cultura carrega consigo sua vivência, como por exemplo, no caso das mulheres indígenas yanomami que vivenciam os nascimentos de forma diferente, e muitas vezes dão à luz completamente sozinhas. Diante disso, seguiremos o assunto cientes que estamos discutindo esse cenário de forma generalizada.
Referências
CALÁBRIA, Roberta. Doula à brasileira: as idiossincrasias do cenário obstétrico contemporâneo e a figura da doula no Rio de Janeiro. In: CASTRO, Thamis Dalsenter Viveiros de (coord.). Violência Obstétrica em Debate: diálogos interdisciplinares. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
VENDRÚSCOLO, Cláudia Tomasi; KRUEL, Cristina Saling. A história do parto: do domicílio ao hospital; das parteiras ao médico; de sujeito a objeto. Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Humanas, Santa Maria, v. 16, n. 1, p. 95-107, 2015.
WERNER, Rosiléa Clara; MALANOWSKI, Lara Carolina. A medicalização do parto sob a análise do feminismo materialista. Caderno Espaço Feminino, Uberlândia, v. 35, n. 2, jul./dez. 2022.