Começo esta coluna com uma acanhada tristeza, estamos em luto em virtude desta pandemia. Duas pessoas amadas se foram justamente após eu propor escrever sobre literatura e maternidade. Então, para não desistir porque aqueles que se foram sempre me ensinaram a resistir, eu quero escrever sobre este luto e a literatura.
Minha filha pede por aqueles que se foram. Eu sequer consigo me ouvir sobre isso, mas preciso. Então busquei nas histórias o começo desta conversa e desse acolhimento em mim, em meu marido companheiro e em nossa filha.
Começo a ler, vamos comentando, vamos ouvindo um ao outro. Há uma parte em que o livro conta “às vezes é mais difícil do que imaginamos”¹. Eu pergunto à minha filha, de cinco anos, o que é difícil de imaginar para ela. A resposta doeu, as lágrimas surgem em nossos olhos, ela responde que é difícil imaginar que eles se foram.
Foi a história que nos fez pensar e falar sobre isso, foi a história que possibilitou que ela dissesse o que pensava. Falar dos sentimentos nem sempre é fácil, crescemos, muitas vezes, sem aprender a falar o que sentimos, logo é também difícil ensinar isso a nossa criança.
A literatura tem sido uma aliada, tem sido uma linda oportunidade de aprendermos sobre nós e sobre o mundo. Comecei a ler para nossa filha ainda quando estava grávida, segui lendo sempre que era possível, somos trabalhadoras, cuidadoras, entre tantas outras atribuições que a sociedade patriarcal nos impõe – as quais podemos e devemos repensar -, assim nem sempre todas as noites temos lido, mas temos buscado esses momentos de leitura, escuta e trocas sobre nossas perspectivas e as dela. A literatura nos une, nos faz compartilhar.
Os benefícios da literatura nas famílias são muitos, além dos momentos entre mães, pais e filhos, os temas diversos de uma boa literatura favorecem a construção de conceitos e a formação crítica.
A autora Sonia Rosa², comenta que: “Adultos precisam aproveitar as muitas oportunidades que tem no seu dia a dia de brincar com as palavras com os pequenos. Isso facilitará a inclusão da leitura de livros como parte da rotina deles, independentemente da idade que tenham”.
E temos brincado, lido, conversado sobre os livros e suas histórias. Pensamos, às vezes, que brincar com as palavras é coisa de criança, mas esta brincadeira faz bem a todos nós. Palavras bem ajeitadas criam enredos lindos, que servem de acalento para a criança que existe em cada adulto, em cada mãe que quer ser acalentada pela beleza das histórias, pois sempre encontramos algumas que se parecem com as nossas.
A maternidade me trouxe muitas experiências, uma das que mais têm me ensinado é a busca por histórias para alguém tão especial com quem aprendo mais a cada dia, aprender e falar sobre nossos sentimentos foi algo muito importante neste momento em que as palavras se limitam aos pensamentos e por isso nos causam dor.
É preciso falar do luto e isso é sempre difícil, mas com a produção de outras pessoas podemos romper essa barreira aos poucos e aprender mais sobre nós mesmas e as nossas dores.
¹ Trecho do livro “Apesar de tudo”, do autor e ilustrador colombiano Dipacho, publicado no Brasil pela Companhia das Letrinhas (2018).
² Rosa, Sonia. Entre textos e afetos: formando leitores dentro e fora da escola/ Sonia Rosa. Rio de Janeiro: Malê (2017, p.19).