Mulheres-mães protagonistas da própria história

Bom dia, quarta-feira!

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Às 6h50, o relógio desperta. Ainda meio zonza, ela custa a acreditar que já se passaram cinco horas e meia desde a hora em que fora se deitar. As coisas não estão muito certas. Faz tempo que ela não consegue terminar o dia antes de uma da manhã.

Antes de sacudir o menino, que insistiu em dormir na sua cama porque “com a mamãe é mais quentinho”, ela tenta se lembrar do que estivera fazendo na noite anterior pra ter ido pra cama tão tarde… Ah, sim! Esteve tentando um tempinho sozinha assistindo “Valeria” na Netflix. Tentando.

Sacode a cabeça como quem precisa ajustar as ideias pra focar no presente e começa a ladainha de botar a criança pra escola. Escola online. Ô inferno! Ela deseja ser uma boa mãe e o esforço de hoje pra isso começou lá no despertador… Ou melhor, começou quando ele pediu pra dormir na cama dela. Ou será que foi quando ela colocou o relógio pra despertar antes de se deitar? Esquece. Não dá tempo de pensar nisso. Ela dá beijinho, canta, faz carinho… Ela gosta de fazer desse jeito. Talvez seja a melhor parte. A criança se espreguiça, mas não abre os olhos.

Quando eu digo que é ladainha, é ladainha mesmo. Entre a zonzeira de sono dela e a zonzeira de sono dele, a briga se estende e a aula, que começava às 7h, começou faz tempo. Ela começa a ficar irritada porque a criança não levanta e lembra que na sua infância esse momento do acordar era infernal. Seu pai acordava a ela e à irmã aos gritos ou com tapas nos pés. Ela não quer repetir isso e apela pro “vamos, filho! A escola tá esperando…” na tentativa constante de fazer diferente do que recebeu. Se pergunta se está fazendo certo e conclui que provavelmente não.

O menino levanta. Ele já tem 11 anos e sabe muito bem ir sozinho pro seu próprio quarto, ligar o seu próprio computador e assistir à sua própria aula. Sabe também passar na cozinha e descolar alguma coisa pra comer. Filhos independentes… Tudo o que ela sempre sonhou.

Ela vira de lado (pro lado oposto ao da porta do quarto), pega o travesseiro extra carinhosamente chamado de agarrador e o posiciona estrategicamente para tentar minimizar os efeitos da luz que entra pela janela sob seus olhos; se cobre com o cobertor fofinho, se aninha e pensa: 5 minutinhos, eu tenho esse direito.

De repente, abre os olhos assustada com o silêncio… Pega o celular e não foram só 5 minutos. Sua barriga ronca. Tudo bem, ela pensa. A única obrigatoriedade pra manhã de hoje é abrir uma sala no Zoom às 9h30. Dá tempo. O relógio já haveria despertado se ela estivesse atrasada. Mas o silêncio chama atenção de novo. Silêncio em casa que tem criança ou é porque a criança tá fazendo merda ou é porque… Encostada no portal do quarto dele, ela dá uma leve batida com a parte de trás da cabeça e no suspiro que solta pela boca dá pra sentir direitinho um “puta que pariu”. Ali, deitado na cama, quietinho, o seu pedacinho de sonho descansa feito um anjo enquanto a professora e os coleguinhas se “aglomeram” nas janelinhas do notebook.

Uma leve conferida pra ver se a câmera está aberta e todos a estariam vendo de calcinha e camiseta. Pelo menos esse alívio, ela consegue ter. Suspira. Nem adianta chamá-lo agora. Em menos de 10 minutos será hora do recreio pra ele e o celular dela já desperta pra abrir a reunião. Ela abre uma sala online, larga o telefone e aguarda um som qualquer pra olhar novamente pro celular e passar o “administrador da sala” para a professora que dará a aula na escola online que ela gerencia. Nem bom dia ela precisa falar. Sai do Zoom e decide chamar o filho pra tomar um café da manhã. Mas antes vai até o seu quarto, troca a camiseta de dormir por um vestido surrado de ficar em casa que ela já está usando há três dias e parte direto pra cozinha.

Tem leite, tem banana, um pedaço do bolo da festinha do fim de semana – tá ruim à beça, mas se não comer o recheio dá pro gasto – e biscoito. Enquanto ovale refeição não vira, é assim que dá pra fazer.

Ameaça voltar para o quarto do filho, mas o gato se esfrega em sua perna e começa a miar. Ele quer que ela abra a janela da cozinha pra “olhar a moda” e abra também a torneira do tanque pra que ele possa beber água.

Ela passa a cabeça por baixo das roupas que estão estendidas no varal desde anteontem e abre a janela. Abre a torneira. O gato pula no tanque e bebe água como se fosse um camelo. O despertador toca 9h55 e o filho, dessa vez, levanta docinho e sozinho pra aula que vai começar às 10h.

Ela diz:

— Bom dia, filho! — e ele responde com um “bom dia, mamãe” e abre um sorriso lindo em meio a uma cara de sono perfeita e completa com um “te amo, mãe”. Ela é tão apaixonada por ele que sai do quarto se esquecendo de perguntar se ele quer uma vitamina. Ela continua no corredor do apartamento quando ele diz: — Mamãe, pode trazer uma maçã?

— Mamãe vai fazer uma vitamina de banana, quer?

— Quero, mas quero uma maçã também.

Ela vai até a geladeira, pega a maçã, aproveita para pegar a garrafa de água e a fatia do bolo para economizar na energia ao abrir a porta da geladeira uma vez só. Larga tudo na pia. Pega o liquidificador no alto da prateleira, coloca sobre a bancada da pia, troca o fio do fogão pelo fio do liquidificador na tomada, pega 2 bananas, começa a descascar e escuta o gato, em cima da máquina de lavar, fazendo uns barulhos estranhos. Corre até lá e diz: — Em cima da máquina não, meu filho! — Bota o gato no chão um milésimo de segundo antes dele vomitar excesso de água com ração.

— Agora sai daí, vai.

Na mão direita uma casca de banana que ela joga dentro do tanque enquanto pega o pano pra limpar o chão. Limpa o chão, limpa o pano, limpa o chão, limpa o pano. Lava a mão.

— Mãe!!! A maçã!!!

Ela suspira. Vai até o quarto, leva a maçã. Volta, pega a casca de banana que estava no tanque, joga no lixo, descasca a outra banana. Água, banana, leite em pó e canela pra dar gostinho. Liga o liquidificador e o gato sai correndo de medo do barulho. A outra casca vai pro lixo. Pega 2 copos. Enche até em cima. Guarda a máquina do liquidificador na prateleira, enche o copo do liquidificador de água pra facilitar a lavagem pós-café. Leva um copo no quarto, traz o miolo da maçã pro lixo, pega o outro copo e a fatia do bolo, vai até a mesa da sala e…

— Mãe! Vem cá!

Ela revira o olho e vai.

— Você botou muita água nessa vitamina?

Ela dá uma quebradinha no pescoço como quem quer entender aonde esse papo vai chegar e ele continua…

— Você experimentou?

— Eu tentei — pensou ela…

— Tá esquisita, meio aguada.

— O que você quer que eu faça por você, meu filho?

— Parece que tá sem banana — disse o rei sentado em seu troninho.

— Pode deixar que eu vou “enfiar” mais uma banana aí pra você, tá bom?

Pega o copo e completa: — Depois que eu tomar o meu café. Faz mais de 50 minutos que eu levantei da cama com fome. Vai pra cozinha, abre o armário, pega uma tampa pro copo dele, coloca o copo na geladeira. Volta pra sala, finalmente senta à mesa, pega o celular e… escreve esse texto.

Bom dia, quarta-feira!

Por Priscila Mayer – @priscilamayer

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