Nos atendimentos com crianças atípicas, observei que muitas mães recorrem ao uso excessivo de telas como uma forma de controlar o comportamento dos filhos e lidar com a sobrecarga emocional. Muitas vezes, as telas se tornam uma solução imediata para evitar frustrações, especialmente quando não há apoio suficiente para lidar com as complexidades de criar uma criança com necessidades especiais. No entanto, esse alívio momentâneo pode prejudicar o desenvolvimento das crianças a longo prazo.
A falta de tempo e de apoio faz com que muitas mães usem as telas como uma “babá eletrônica”, oferecendo distração em momentos de crise. Em 2024, atendi diversas crianças com idades entre 4 e 10 anos, diagnosticadas com transtornos do desenvolvimento, como Transtorno do Espectro Autista (TEA) e TDAH. Muitas dessas crianças apresentavam atrasos na fala e dificuldades de comunicação, que estavam diretamente relacionadas à exposição excessiva às telas. Algumas, por exemplo, começaram a usar palavras em inglês, aprendidas ao assistir a vídeos e jogar jogos em plataformas internacionais. Esses achados estão alinhados com estudos da Sociedade Brasileira de Pediatria, que alertam sobre os impactos negativos da exposição precoce à tecnologia, incluindo atrasos na fala e dificuldades de socialização (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2024).
Além disso, observei que o comportamento das crianças frequentemente era influenciado por conteúdos inadequados, como desenhos violentos. Isso afetava suas interações sociais e o comportamento em casa, resultando em agressividade e isolamento. A falta de interação com outras crianças, essencial para o desenvolvimento social, foi substituída pela passividade diante das telas. Essa relação é corroborada por um estudo publicado no JAMA Pediatrics, que relaciona o uso excessivo de telas a comportamentos sensoriais atípicos, típicos de crianças no espectro autista, como dificuldades de processamento de estímulos ambientais e irritabilidade (JAMA Pediatrics, 2024).
As mães dessas crianças muitas vezes se veem sobrecarregadas e, sem tempo para aprender alternativas mais saudáveis, acabam recorrendo ao uso constante de tecnologia. Alguns relatos mostraram mães tendo que consertar os celulares repetidamente, devido ao fato de os filhos quebrarem os aparelhos em momentos de frustração. Em um caso, uma criança de 8 anos possuía dois celulares, para garantir que sempre houvesse um carregado. Esses comportamentos mostram como o uso das telas se tornou parte da rotina familiar, muitas vezes sem considerar as consequências para o desenvolvimento infantil.
É crucial que as famílias busquem alternativas para interromper esse ciclo de dependência tecnológica. Em minha prática, oriento as mães a estabelecerem limites claros para o uso de telas e a promoverem atividades que incentivem a interação social, como brincadeiras ao ar livre, leitura e momentos em família. Além disso, é fundamental que as mães recebam apoio para reduzir a sobrecarga emocional e se sintam mais capacitadas a lidar com os desafios diários.
O uso excessivo de telas nas famílias de crianças atípicas é uma realidade crescente. Embora as telas possam oferecer um alívio temporário, é fundamental que as famílias encontrem um equilíbrio saudável, permitindo que as crianças se desenvolvam de maneira mais equilibrada e consciente.
Referências:
1. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (2024). Impactos do Uso de Telas na Infância. Disponível em: http://www.autismoerealidade.org.br.
2. JAMA PEDIATRICS (2024). Estudo sobre a Relação entre Telas e Comportamentos Sensoriais Atípicos.
Camila de Brito de Mattos – CRP: 08/31496
Psicóloga pós-graduada em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), Saúde Mental, Atenção Psicossocial, Psicopatologia e Avaliação Psicológica no Contexto Forense. Mãe de um menino.
Instagram: @psicamilamattos