Somos Reflexos

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Meu filho recém completou 07 (sete) anos, um setênio inteirinho de muitas experiências, vontades, desejos, aprendizados, amores e dores. Porque a maternidade é assim, essa síntese da complexidade da vida. Contém em si a força da criação, da nutrição e do mistério e também a humanidade em suas dores profundas, na solidão, no cansaço.

É amar no verbo presente, dia-a-dia, o exercício de dosar o abrir mão de si e colocar-se a frente. É dar, não receber e ficar bem com isso. Pois disso se trata. Neste tempo de maternidade fracassei inúmeras vezes, porém a mais profunda e que se reflete até hoje foi descobrir que os desejos nos pregam peças.

Apesar de nunca ter tido o sonho de ser mãe, houve um tempo que isso se despertou. Bastou um descuido, e cá está este ser que seria meu filho. O que eu não sabia, é que a maternidade é um caminho na direção oposta à minha natureza, é correr em direção às minhas limitações que se alastraram. “Maternar” é olhar a minha fragilidade exposta e reconhecer que é dolorido parir-se e aprender a amar.

Sim, aprender a amar e reconhecer-me mãe. A experiência foi tão profunda, que passei um puerpério deprimido, quase em negação. Período que me fazia querer fugir, voltar à vida de antes (quanta inocência da minha parte), mas a sensação foi tão forte que mal podia ficar com meu filho sozinha, que angústia. 

Conheci, sem saber e bem cedo, sobre arrependimento. Mas achava que o tempo era remédio, que tudo ia passar. Bendito mantra! Falso mantra. Nada passa. As coisas se transformam, mas não passam. 

Com 1 ano e 9 meses da criança, veio a separação, e me vi sozinha, responsável por outro ser, sem trabalho fixo, autônoma, artista. Depois de estar em luto por mim, fiquei em luto pela família que idealizei (benditos sonhos inférteis), agora a família éramos nós dois. 

Dividi o tempo com o pai da criança e fui fazendo o que pude. Coletivamente criamos uma rede, com famílias, com cuidado e com amor, ajudou muito. Foram 02 (dois), 03 (três), 04 (quatro) anos, e o tempo não remediava a dor. Percebi que esse sentimento era inerente ao tempo. Ele seria só meu? Não sabia e tratei de acomodar. 

Olhei-me inúmeras vezes e vi as minhas limitações, as minhas faltas e as minhas carências. Estas que foram o chão e o colo para as faltas dele, do meu filho, que me pedia algo que eu ainda não sabia dar. Na função de ser “pãe”, no tempo em que estava com ele, me faltou pulso, limite, e muitas vezes, faltou energia. Pois um cansaço contínuo me acompanhava, um esforço era necessário para estar ali inteira. 

Veio a agressividade dele, a falta gritava pelas mãos e pés do menino… eu parava, continha, paralisava, tentava de tantas formas, pedi ajuda, terapias. O tempo passava, e isso também se refletia: confrontos, medos, novos arrependimentos, pequenas conquistas. E, volta e meia, a ansiedade (não sei se só a mim), já passou, mas já tive crise de ansiedade por precisar ficar com meu filho. Maluco isso não é?

Somos reflexos das relações, dos sentires, dos acordos invisíveis, destes advindos de outros lugares. E seguimos sendo respostas, veio a pandemia, a intensidade, perdas, outros reflexos, 05 (cinco), 06 (seis) anos… e, ufa, as coisas parecem se acomodar melhor. 

Mas ainda cochicha em mim essa inadequação, essa ânsia de correr, e dar conta, e mesmo com a rede de apoio, o fato de ser sozinha e me sentir assim, de “me virar” a ponto de não caber outros amores, para ter energia e doar-me a mim.

E o que mais reflete? Reflete o mundo. No maternar está a ligação com a vida, com quem cuida, com o amor, com a partilha. O peso da maternidade revelado hoje, as dúvidas, o abuso e a invisibilidade que o feminino vive é parte de como tratamos nossa Terra como mãe. Essa dor é urgente, é catastrófica, tirânica relação. 

Que possamos olhar outros ângulos, ocupar espaços de autonomia e criação, desfazer as amarras, pois nos ocuparemos de construir laços, entre nós, por nós e com a Terra. Como mães, somos o reflexo de como a humanidade lida com o feminino, com o cuidado, com a energia acolhedora e nutritiva. Somos espelhos das relações com nosso planeta. 

A mudança é urgente, a vida chama, é improtelável. Nós, mulheres e mães, estamos a mudar, dando espaço a nós mesmas, olhando e cuidando de nós para sermos o melhor, ao menos é isso que intenciono. A força da criação do mistério pede passagem, você vem junto?


Por: Aline Tanaã – Mãe, atriz, instrutora de yoga e meditação e facilitadora de vivências e psicóloga de formação. Instagram: @aline_tanaa.

Texto revisado por Daiane Martins.

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