Mulheres-mães protagonistas da própria história

Sofremos de Amnésia coletiva

Sofremos de Amnésia coletiva

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Vez por outra tenho vontade de organizar meus arquivos, e-mails e fotos. Dispenso o que não serve mais e guardo aquelas lembranças relevantes. Foi assim que descobri que sofro de amnésia. Meu diagnóstico foi rápido e surpreendente – o esquecimento rápido e repentino de todos os eventos significativos da sociedade.

Comecei lendo textos, artigos, reportagens dos últimos 6 meses. Constatei – a percepção da minha memória é limitada! Li um artigo escrito por mim mesma sobre o problema da água no Rio de Janeiro. No texto em questão falei do descaso do estado, da tentativa de privatização do setor e do sofrimento da população que adoecia com a água contaminada. Não era um assunto que passou batido na minha vida. Eu estudei sobre ele, li informações dos especialistas e contestava os meios de comunicação por passarem informações tendenciosas favorecendo o setor privado.

O meu esquecimento me surpreendeu de tal forma que tentei justificar internamente, como se mais alguém pudesse descobrir meu estado. Há 6 meses do artigo escrito por mim e eu nunca mais falei, estudei, lembrei do assunto. As notícias pararam de aparecer, atropeladas por novos acontecimentos, e não imagino como esteja a qualidade da água em questão.

E assim aconteceu nos outros meses. Caso alguém fale de algum assunto relevante socialmente que aconteceu de janeiro pra cá ou lembrarei de maneira geral, sem os detalhes, sem as pesquisas, sem os argumentos necessários.

Foram as mortes racistas nas favelas cariocas, foram as falas criminosas do atual presidente, foram as guerras, foram as crianças desnutridas morrendo, foram as altas do desemprego no Brasil… Tive uma opinião sobre todos os assuntos que apareceram nos meios de comunicação tradicionais ou da mídia popular. Em alguns assuntos dialoguei, troquei experiências, me organizei para resistência.

Meu problema é grave, tive que mergulhar um nível abaixo. Se esqueci de assuntos recentes como poderei lembrar dos assuntos que me impactaram do ano passado? Ou ainda, aqueles assuntos que marcam a história e transformam uma sociedade…
Ter amnésia causa paralisia de ação!

Ninguém age por intuição. As ações são uma reação. Assim precisei ir até as profundezas. Aumentei meu exercício de arrumar os arquivos do meu computador para organizar todas as pastinhas que estão dentro de mim.

Foi arrumando meus “arquivos internos” que fui curando momentaneamente minha falta de memória. Foi revisitando a história. Foi lembrando que a história da minha vida é marcada por uma série de fatos muito anteriores ao meu nascimento.

Anterógrada é a perda da memória que acontece depois de um trauma vivido por um acidente.Todos nós sofremos de anterógrada. Cada “acidente” que acontece na nossa cidade, estado, país, mundo, é rapidamente esquecido. Damos lugar a outro “acidente” e a novos esquecimentos.

Com muito esforço consegui lembrar de vários fatos, mas os detalhes se esvaem.
Terei que fazer esse exame cognitivo com regularidade. Lembrar dos fatos é fundamental para planejar o caminhar da vida. Se esqueço que queriam vender a companhia de água e sou contrária, eles podem fazer a venda e eu nem terei a oportunidade de resistir.

Seria capaz de afirmar que a amnésia coletiva é uma doença propositalmente lançada em nossas mentes. É um formato construído desde nossa infância. Os acontecimento passam e seguimos a vida, como se não tivessem acontecido. Dessa forma estamos imobilizados. Muitas vezes temos uma forte reação do povo a um acontecimento. Mas ele passa…

É urgente acharmos a cura dessa doença coletiva. Essa pandemia está contaminando toda a população há séculos e sem a cura as pessoas vão seguir morrendo de fome, crianças serão assassinadas nas favelas pela polícia, mulheres serão mortas por seus maridos, milhões de pessoas terão uma vida medíocre lutando para sobreviver.

Essa doença é fatal! O grupo de risco são todos os pobres. Quem é rico está imune, mas tem a capacidade de contaminar levando a morte todos do grupo de risco.


Autora: Bárbara Fagundes, sou gaúcha, moradora da cidade do Rio de Janeiro há 8 anos. Mãe do Theo de 7 anos. Sou estudante de história e turismo. Uma das idealizadoras do projeto Garupa Mulher – Instagram e Facebook – @garupamulher.

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