Mulheres-mães protagonistas da própria história

Sobre os pequenos encantos

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Por Helena Cunha Di Ciero – @instrantesdedentro

A obra de arte da Rotina. São 7h15. Como uma fatia de pão sem glúten, que minha amiga Junia diz que é melhor para a digestão. Talvez desinche a barriga. Que diferença faz, se essa semana vou operar a hérnia umbilical que ficou após a gravidez. Também já sei que estou inchada dos brigadeiros da festa das crianças. Plena segunda.

Pego logo duas fatias. A Junia vai me matar, mas comer as duas me deixa tão feliz. Abro o jornal com calma. Francisco, meu filho mais velho, assiste televisão. Quase hora de ir para a escola:

– Põe o uniforme, filho.

Sou ignorada. Chegou rápido a segunda fatia de pão, mas que chatice. Enquanto tento saborear calmamente a tão disputada fatia com meu superego, escuto:

– Mamãe, eu não fiz cocô – diz Ana Chiara do alto do seu desfralde.

– Mas eu sabia, claro que tinha ali embaixo da mesa branca do café, uma surpresa para mim.

Olhei, fingindo tranquilidade (Em que momento minha vida ficou uma mistura de trilogia suja de Havana com um filme surrealista, me pergunto):

– Tudo bem, filha, escapou.

– Não tem problema, né, mamãe?

– Não, não tem, filha.

Mas eis que ela olha sua produção ali, no chão, se assusta, começa a chorar.

– Cocô grandão, mamãe!

– Filha, seu cocô é lindo, amor, parabéns!

– O mais velho que parecia alheio à cena se levanta do sofá:

– É lindo Kiki, parabéns pelo cocô.

E começa a bater palmas. Lindo cocô Kiki! Quando vejo estamos batendo palma em volta de sua obra. Meu marido acorda, batendo palmas.

– Pega o pano, amorzinho – digo baixinho, dentes cerrados.

Logo minha menina não está mais assustada e sim orgulhosa. Senta na privada, quer fazer mais. Vê que estamos contentes, mas não consegue. Chora frustrada. Voltamos todos ao banheiro para acalmá-la. Estamos nós três dizendo para ela que vem mais, num outro momento. Que saudade do meu pão. Corro para a mesa, a manteiga derreteu, o café esfriou. Devia ter comprado a ghee que Junia mandou.

Sento calmamente, o jornal até tenta olhar para mim, intacto. Mas não vai dar, não hoje. Estamos atrasados. E a primeira hora da manhã já passou. E não há notícia mais feliz do que minha filha dizendo, com sua mochila de escola nas costas:

– Agora não sou mais nenê mamãe, uso calcinha.

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