queria que os sentimentos tivessem o peso da simplicidade que carregam em seus nomes
talvez assim a felicidade fosse condizente com o levante involuntário das laterais dos lábios quando pronunciamos o efe
e não contemplasse mais nada, nenhum, porém, nenhuma contradição, nenhuma carga de vazio ou interrogação
apenas a vida seguindo seu curso sempre cheia, sempre constante
talvez assim também fossemos mais semelhantes aos outros animais
sem precisar de vitrines,
vivêssemos nuas em torno do descanso,
de desfazer a fome e a sede e ater-nos apenas ao sexo que reproduz
e assim talvez não matássemos uns aos outros – sem necessidade
mas isso também significaria a ausência de multiplicidade
de readequação, de processos ambíguos
não seríamos tão elaboradas, criativas, tão elevadas e arbitrariamente mínimas e prolixas
ao retomar o estado primitivo
talvez fossemos sim, mais inventivas, mais atentas ao entorno
tão cheias de ócio que daria tempo de descobrir o movimento do polegar opositor
e pintar nas cavernas da alma as desventuras dos dias que não passariam
tão rápido e
tão cheios de significados possíveis
que se tornam distantes
numa mistura de tantas cores, que tudo dá em branco
queria que os sentimentos tivessem o peso da simplicidade que carregam em seus nomes.
mas talvez assim não fosse menos impossível descrever como nasce o amor de uma mãe
que perdida renasce dos mortos nos primeiros dias
tentando encaixar os medos, expectativas, dores, sonos e sugas
e permitir a abertura necessária para que a boca pronuncie o som do “a”
e a palavra se complete para dentro com fúria e fogo
e incendeie os pulmões com os floreios delirantes de dois seres (re)descobrindo a vida
queria que os sentimentos tivessem o peso da simplicidade que carregam em seus nomes
mas aí talvez estivesse subestimando o poder da humanidade
de definir novos signos
novas cores
subestimando
o poder das poetisas
que ressignificam dia a dia
e deságuam
Texto e ilustração: Naiane Miranda – @nacurvadasletras
Revisão: Luiza – @lougandini