Mulheres-mães protagonistas da própria história

Oração e Rancor

Compartilhe esse artigo

“Oração para desaparecer” e “Mas não guardo rancor”.  À primeira vista, sem interseções, a não ser minha leitura quase paralela e terem sido escritos por mulheres cearenses. 

As protagonistas, narradoras em primeira pessoa, também mulheres. Uma, cearense, sem memória, aparecida no interior de Portugal. A outra, curitibana, escolhe viver na França e trabalhar com arte. Ambas em busca de si mesmas e num acerto de contas com a vida. 

Socorro Acioli, com sua narrativa doce, permeada por lendas, portuguesas, indígenas, brasileiras, vai descortinando a história da personagem pouco a pouco, desenterrando, desanuviando. 

Rhayna Ellery, num ritmo frenético, cáustico, sem qualquer palavra em excesso, vai da infância à juventude da narradora em poucas páginas. 

As duas, literal ou simbolicamente, abandonadas pelas mães biológicas. Não se sabe de seus pais. 

A de Socorro é adotada e amada pelos Tremembés, por sua Xamã, a líder do grupo.

A de Rhayna busca outros modelos e algum tipo de acolhimento em Carmem, Tonia e mesmo em Martina, mulheres cheias de complexidades e, cada uma à sua maneira, marginais e excluídas da forma branca, hermeticamente nativista e heterocisnormativa da sociedade padrão curitibana. 

Em Oração, o amor profundo é vivido e revivido. Em Rancor, se vê sexo rápido, sem vínculos, sem dramas. 

De repente, em leituras vorazes dos dois livros, me vi com as duas protagonistas, com realismo fantástico tornando tudo mais palatável, ou com uma linguagem dura, crua, e ambas cercadas de referências musicais e literárias, lidando com escolhas de uma vida e diante de novas a fazer. Daquelas de todos os dias ou das que mudam o curso da existência, abrindo clareiras próprias e deixando para trás estradas pavimentadas, sem volta, sem choro, nem vela, nem rancor, nem oração. 

Obrigada, Socorro e Rhayna!

Por Chris Vinog – @chrisvinog.

Compartilhe esse artigo

Leitura relacionada

Últimos Artigos

Deixe um comentário