Toda vez que escrevo minhas “crônicas de mãe” alguém – normalmente uma mulher – sempre me pergunta, com pequenas variações da mesma indagação: “Por que você não fala do seu marido também? Ele ajuda tanto em casa.”
São inúmeras as respostas possíveis, mas eu não vou falar do meu marido: hoje eu vou falar dos maridos em geral. Na necessidade atávica coletiva de desqualificar o trabalho da mulher na função de mãe e de, constantemente, apontar as mulheres que ousam falar das suas maternidades como pessoas que “reclamam à toa”, “querem se sentir supermulheres”, “têm sorte do marido que têm” e, até mesmo, que são afortunadas por TEREM um marido. Como se, nesse caso, aceitar qualquer coisa como esposo fosse sempre melhor que ficar solteira. Como se todo casal hétero fosse um “casal margarina”: casado, com criança pequena, desconstruído “nos machismos” da sociedade. Aquele casal-feliz-modelo que se orgulha de dividir as tarefas na criação, onde o homem troca fraldas, prepara papinhas e dá banhos. Eventualmente, claro.
Sabe o que esse homem faz? Nada demais. É quase uma traição social as mães não dizerem publicamente, o quanto esses pais são super Pais, o quanto é maravilhoso ter “ajuda”. Não importa que sobre as mães recaiam todo o peso organizacional da vida e da rotina das crianças. Esses pais fantásticos são, quando muito, bons executores de ordens minuciosamente detalhadas pelas mães (pelo menos 79 vezes) e bons recreadores nas brincadeiras. A eles, se há algum mérito que precise ser reconhecido, talvez seja apenas de serem o “Melhor Funcionário do Mês” da casa.
Enquanto as tarefas não forem equitativamente planejadas, todo o trabalho com as crianças continuará recaindo nos ombros, cérebro e braços exaustos das mães. No imaginário coletivo todo trabalho feito pelas mães é sempre “amor”: somos as guardiãs do “cuidar, servir e proteger” – quase como um lema policial de doação abnegada na produção de seres humanos – e para a maioria das pessoas, não fazemos nada mais que a nossa obrigação!
“Ah! Mas você está exagerando! Agora na quarentena, estamos ‘todos no mesmo barco’, as ‘novas paternidades’ estão dividindo tudo, nos, homens, entendemos agora o trabalho que é cuidar das crianças, blábláblá…”. Esses são os brados dos pais e dessas mulheres que acham qualquer coisa que um pai faça, para cuidar de um filho, um feito glorioso e extraordinário.
Enquanto isso, os bons funcionários, quer dizer, os pais acham que são melhores que as gerações antigas, e se dão por satisfeitos. E nós, mães, continuamos sobrecarregadas, exaustas e ainda tendo que dizer “obrigada” cada vez que a pessoa faz, uma vez, o que nós fazemos dezenas de vezes todos os dias. Nosso trabalho é invisível e, aparentemente, falar dele é, para algumas pessoas, sermos ingratas, reclamonas e encrenqueiras.
Quer saber? Cansei. Por todas nós. Então, agora é hora de falar algumas verdades para a grande maioria dos papais: parceiro é para dividir responsabilidades, planejamentos e tarefas. Tudo!
É para dominar a rotina da casa e dar conta do trabalho. E estar feliz, com cabelo arrumado, ginástica em dia e apetite sexual tinindo. É para atender vídeochamadas do chefe com filho no colo, com desenho tocando e participar de reuniões como se não estivesse acontecendo nada demais.
É para acordar no meio da noite, trocar fralda, fazer comida, planejar supermercado, lavar roupar, guardar e limpar a casa junto. Vem junto e para de pedir instrução: se você entende como funciona futebol, te trago verdades: administrar casa e crianças é igual ao jogo, tem regras e o gol são segundos de comemoração em uma partida de muita corrida. Então podem tratando de aprender as regras desse jogo, porque essa partida da vida/casa tem que ser dividida e temos que jogar no mesmo time, para que as mulheres possam compartilhar, em vez de receberem “ajuda”.
As mulheres são melhores na organização porque somos compelidas: a obrigação molda a circunstância. Então, “herói moderno”, que tal deixar de ser o funcionário exemplar e entender definitivamente que criação de filhos é parceria cooperativa completa de cargo, função e deveres?
Lembra do quiz? Aquilo é só o começo de uma verdadeira planilha de Excel no cérebro das mães. Vamos começar a dividir de verdade? Quem sabe qualquer dia desses nós, mães, consigamos até uns dias realmente de descanso: sem pensar na lista do mercado; no sapato que começou a apertar; qual especialista marcar para ver aquele vermelho que apareceu no queixo da mais nova desde ontem e não melhorou. Um descanso real porque alguém verdadeiramente parceiro tomou a frente e já assumiu essa parte das inúmeras tarefas que fazem parte da rotina de quem têm filhos.
Dividir a conta no restaurante é moleza. Vamos ver se vocês, homens, encaram essa de dividir a vida mesmo. Sem essa de apelar para nosso instinto maternal ou dizer que somos melhores nisso. Em tempos de quarentena, nosso instinto maternal – se é que ele existe – está bem no espírito revolucionário francês: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. E é melhor vocês darem uma olhada nas aulas de História, só para checar o que acontece com quem se achou Rei e dono do poder naquela época. Fica a dica!
Autora: Ana Carolina Coelho. Feminista, mãe, escritora, poeta, dançarina, plantadora de árvores, pesquisadora e professora universitária. Professora Associada do PPGH/UFG e da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás; coordenadora do GEPEG/FH/UFG-CNPq; coordenadora do GT regional de Gênero da ANPUH- Seção Goiás e membra da APPERJ (Associação profissional de poetas do Estado do Rio de Janeiro).