Mulheres-mães protagonistas da própria história

Entre lençóis, a confissão da angústia

Entre lençóis, a confissão da angústia

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Por Bárbara Almeida

Deitei na cama de banho tomado e corpo cansado após um dia habitual tentando ajustar os cuidados com a casa, o filho e o trabalho. Não necessariamente nessa ordem.

Havia trocado os lençóis e é sempre uma sensação gostosa essa de deitar na cama com lençóis trocados. Busquei uma posição confortável para ler um pouco antes de dormir, mas alguma coisa passava rapidamente à mente como uma espécie de desenrolar de pensamentos inapreensíveis.

O que me causava tanto se estava tudo dentro dos conformes? O filho dormia tranquilamente, a casa estava fechada, a comida pronta para o dia seguinte, o trabalho concluído e a deliciosa sensação da roupa de cama limpa. O que poderia me incomodar daquele modo exatamente no dia em que tudo se equilibrava bem?

Não consegui prosseguir com a leitura. Deixei de lado o livro, peguei o celular e escolhi uma playlist de jazz para escutar enquanto deixava os pensamentos correrem soltos e o coração bater acelerado. Respirei fundo e entendi que era preciso conviver com aquela angústia, não era o momento de responder.

Senti com os dentes cerrados e o silêncio da noite até adormecer.

Em algum momento desperto ainda sonolenta e confusa sobre o quanto havia dormido. Não sinto mais o coração palpitar, o jazz continua rolando e rapidamente um pensamento irrompe como um estalo: não gosto de ser mãe.

A sensação foi de confessar a mim mesma algo terrível e aquele pensamento teria saído tão alto a ponto de alguém mais ouvir.

O que isso diz sobre mim? Esse sentimento coloca em xeque o que sinto por aquele pequeno ser que dorme no quarto ao lado?

Escuto seu choro e um chamado assustado: “Mãe! Mamãe!!”

Não há tempo para pensar. Levanto e caminho ainda sonolenta para o quarto dele. Meu filho me pede colo e proteção.

Acolho seu medo (e o meu!). Já em meu colo sinto seu cabelo roçar levemente em meu rosto e com ele a familiaridade do cheiro daquele que, na verdade, nem é mais tão pequeno assim.
 

“Esse cheiro com certeza é melhor que a roupa de cama limpa! Esse abraço é mais gostoso do que os lençóis trocados. Mas como é difícil ser acordada várias vezes a noite e logo tão cedo no dia seguinte recomeçar a rotina!”, penso.

Ele dorme, coloco-o novamente na cama cuidadosamente e retorno para o meu quarto já desperta e com os pensamentos a fervilhar.

Amo meu filho, sem dúvidas! Me interessa descobrir o ser humano que ele se tornará. Me interessa participar dessa aventura com ele.

Então, o que odeio?

Odeio ser a mãe que sozinha se preocupa com a casa, o trabalho, a criança. Que lida solitariamente com os choros deitado no meio da calçada entre os olhares

reprovadores daqueles que – parece – nunca conviveram com uma criança. Essa mãe que sozinha passa madrugadas em claro entre tosses, febre e idas ao pronto socorro.

Eu odeio ser a mãe que tenta equilibrar os pratos para não esquecer a mulher, porque eu não quero esquecer a mulher!

Então, qual a mãe possível?

Levanto no dia seguinte, na semana seguinte e a pergunta continua a ecoar. Não me recordo há quanto tempo vivi essa cena, mas a pergunta reverbera com o desenrolar da rotina e

os impossíveis da vida. Escolho sustentá-la como uma questão por mais que vez ou outra ela pareça insuportável.

Talvez para mim essa seja a maternidade possível hoje, bem distante da resignação. Afinal de contas, no dia seguinte os lençóis já não estão mais limpos.

Revisão: Luiza Gandini – @lougandini.

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