Mulheres-mães protagonistas da própria história

Daquilo que não sei nomear

Daquilo que não sei nomear

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Aproxima-se – vinda de meus interiores – uma onda que ensaia seu quebramento. Está no limite do sustentável. Enquanto andava pelas ruas, estilhacei minhas certezas de felicidades e tudo parecia esfacelar-se. 

Senti as lágrimas escorrendo e fiquei surpreendida. Qual é a razão do choro? Qual? A pandemia, a política, ou a inconstância das nossas governanças?  Me senti externa a mim mesma e quis desesperadamente fugir. 

Neste exato momento sinto o enunciado da onda bater em meus pés e penso: algo em mim quer se quebrar. 

Ontem me irritei profundamente com minha filha. A voz aguda e gritada com a qual ela me falava, me cansou. 

Eu engoli o cansaço e o rancor da irritação, mas fiquei desejosa em ser outra sem precisar tolerar gritos – de tristeza, raiva ou alegrias – e dei-me conta de que estava cansada de mim mãe, e de mim desdobrada em responsabilidades. 

Foi a Elena Ferrante e aquele filme sobre o livro dela, pensei. Me fez questionar minha maternidade. 

Literatura tem tal expediente, justifiquei e mentalmente continuei apelando para um ou outro fragmento teórico, ou um ou outro fragmento literário que também tivesse me deixado desfeita, mas como de imediato não encontrei, voltei-me às culpas. 

Chamei minha criança e a cobri de agrados e abraços. Ela me apertou em um abraço suado e logo e me irritei novamente. Suspirei. Mas agora culpei o pai. 

Os homens têm filhos para fotos e penduricalhos em estantes de livros. Não sabem de rotinas, de febres e de birras.

 Agora mesmo, minha filha rompeu minha escrita para narrar alguma coisa que só a ela é engraçado. Perdi o fio. Falava do pai. O pai não tem o fio da escrita, nem agenda e  nem namoros interrompidos. 

Sinto que participei de uma trapaça quando aceitei a maternidade.

Também a maternidade é parte da onda que vai me sufocando às vezes. A outra é uma angústia de sentir pouco, de sentir-se desnecessária. 

Antes, quando era mais nova, fazia mil visitas, ligava, enchia de cuidados às pessoas que eu tinha em minhas proximidades. Queria ser lembrada, amada, desesperadamente amada. Agora, parece que não faz falta. 

Parece que amor e desamor são tão iguais. Prefiro o silêncio. Prefiro não me explicar, não me dizer. Lembro que, quando dormi com Carlos, pareceu-me um instante de reconhecimento. 

Escrevia-lhe – que sempre me  foi o mais alto grau de materialidade do amor – poemas, textos. Queria que me reconhecesse brilhante, poeta. Parecia-me que estar perto dele fazia bem aos meus interiores e inquietações.

 Mas não durou. Era reconhecimento, mas não durou. Mas tive uma sensação esquisita de me mostrar para a pessoa errada e não me mostrei mais. Então, palavras, inquietações, minha natureza movediça e quase livre está ainda em mim, me espiando pela fresta. 

Esperando a hora de sair. Agora mesmo enquanto escrevo, penso nas explicações teóricas que poderia tecer sobre a minha indolência de espírito, quase uma “burguesidade”, preocupar-se com ondas a quebrar, enquanto o fascismo mal disfarçado vai corroendo o mundo. 

Talvez me corroa também. Talvez ver pessoas miseráveis em sinais pedindo com crianças pequenas me faça sentir inútil, me estilhaça, me faça querer gritar, para tirar de mim o desencontro.


Autora: Luciana Vedovato – Blog: https://palavrasdelatierra.blogspot.com/

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