Mulheres-mães protagonistas da própria história

Coparentalidade e Famílias Alternativas – Por: Ana Lodi

Coparentalidade e Famílias Alternativas – Por: Ana Lodi

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Os laços de família no Brasil se multiplicaram. No Censo de 2010 do IBGE foram identificados 19 laços de parentesco, contra 11 presentes em 2000. Aquele antigo conceito de família composta por um casal heterossexual com filhos esteve presente em apenas 49,9% dos lares visitados, enquanto que em 50,1% das vezes a família brasileira apresentou novas configurações, e já ultrapassam, segundo o último Censo do IBGE, o tal tradicional núcleo mãe, pai e filho.

As famílias lideradas por um só cônjuge – 10,1 milhões de famílias são formadas por mães ou pais solteiros (as mães, em 88% dos casos), com 19%; e casais sem filhos, com 17%. As famílias homotransafetivas já somam 60 mil, sendo 53,8% delas formadas por mulheres. Mulheres que vivem sozinhas são 3,4 milhões. As mutações da família indicam que, independentemente dos modelos, toda forma de amar vale a pena.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceram em 2011 a união estável em pessoas do mesmo sexo, permitindo que casais homossexuais fossem reconhecidos como entidade familiar e passassem a ter direitos. Em 2013, resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obrigou os cartórios a converter essa união estável em casamento. Dentre as configurações de família possíveis –  homoafetivas, de uma mãe ou um pai só, família estendida, multiparentalidade, configurações familiares diversas à dita “tradicional” tornaram-se abertamente mais comuns no Brasil. Existem também as configurações formadas por recasamentos, paternidade ou maternidade socioafetivas convivendo com o modelo tradicional familiar.

Novas configurações de família trazem desafios de lidar com realidades distintas e multiplicidade de amores. Milhares de casais homossexuais – formados por mulheres ou por homens – e as famílias heterossexuais também constroem ou reconstroem arranjos que fogem ao tradicional. São muitas as possibilidades: homossexuais ou heterossexuais que adotam, casais sem filhos, mães e pais solteiros, casal de homossexuais que têm filhos de um relacionamento heterossexual anterior, crianças que são criadas pelos avós, divorciados que unem suas famílias, pessoas que só tem seu animal de estimação como família, praticantes do poliamor, três gerações que dividem o mesmo teto, casais divorciados que vivem na mesma casa. Entre as famílias homoafetiva e homoparentais, além da adoção, ainda pode existir a figura do doador, que pode ser anônimo, presente; e da doadora: barriga de aluguel.

Arranjos familiares que envolvem filhos de outros casamentos e são formados por laços de afeto e afinidade redesenham as responsabilidades de cada um no novo núcleo de convivência. A família deixou de ser uma unidade de caráter econômico, social e religioso para se tornar um grupo de afetividade e companheirismo. Para refletir essa realidade, se houvesse um Estatuto da Família no Brasil, hoje, ele teria que ter como base o amor. As novas composições familiares podem ter um pai, uma mãe, dois pais, duas mães ou serem multiparentais – quando os responsáveis pela criança são mais de três. Mas sem legislação que as abrace, essas famílias têm recorrido à Justiça para se tornarem pais e mães de direito. E são os laços afetivos que têm feito a Justiça do País decidir favoravelmente a famílias que vão além do pai-mãe tradicional. O elo do afeto é que caracteriza uma família – paternidade ou maternidade socioafetiva. A maior vantagem de toda essa mistura é, sem dúvida, o exercício da tolerância mútua, que deverá desaguar na ampliação da aceitação da diversidade na sociedade.

Na realidade essas “novas configurações de família” sempre existiram, porém não tinham um reconhecimento público ou respaldo jurídico. Apesar do Estatuto da Família que contemplaria a minoria da população brasileira, nosso Judiciário vem apresentando sensibilidade para a desbiologização da família e aceitando outros modelos familiares para além daquele baseado em uma relação heterossexual monogâmica em que o pai é a figura-chefe. O afeto passa a ter um papel bastante relevante juridicamente, elevando à outro patamar as discussões sobre filiação.

“A verdade sociológica da filiação se constrói, relevando-se não apenas da descendência, mas no comportamento de quem expende cuidados, carinho e tratamento, quer em público, quer na intimidade do lar, com afeto verdadeiramente paternal, construindo vínculo que extrapola o laço biológico, compondo a base da paternidade”, afirma o advogado e professor de Direito Luiz Edson Fachin.

A modificação do conceito de família que passou a ser concebida a partir do ponto de vista de visibilidade, continuidade e durabilidade, como colocado pela Ministra Carmem Lúcia, contemplou os casais homoafetivos. Todavia, ainda que pareçamos ter avançado nessa seara, fazem-se necessárias leis e políticas públicas mais claras no que diz respeito a essas novas famílias. Falta informação e sobram mitos em torno da criação de filhos por pais e mães gays. Pesquisas que comparam filhos de gays com filhos de héteros mostram que os dois grupos registram níveis semelhantes de autoestima, de relações com a vida e com as perspectivas para o futuro. Da mesma forma, os índices de depressão entre pessoas criadas por gays e por héteros não é diferente. Contudo, a única coisa que se pode comprovar foi que com estudos científicos foi que crianças criadas por gays são menos influenciadas por brincadeiras estereotipadas como de menino ou de menina.

É imprescindível o reconhecimento público e jurídico dessas famílias, por uma questão de equidade social. E isso é virtuoso para a sociedade A instituição família não é ameaçada pela diversidade sexual, a igualdade de gêneros e a pluralidade afetiva, que apenas absorve novas perspectivas e viabilidades de felicidade, pois, como diz o ditado: “Gente feliz não enche o saco!”. Se a família vai bem e o sexo também, a pessoa estará melhor em todas as áreas de sua vida. E que sejamos todos felizes do jeito que somos, seja no aconchego do lar, nas escolas, nas praças, no trabalho ou em qualquer lugar. O que a gente quer é viver em paz!

 

Autora:

 

Ana Lodi – Especialista em Gênero, Sexualidade e Direitos Humanos idealizadora do Instituto Semear Diversidade.

 

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