Como podemos ser mães sem padecer no paraíso

Como podemos ser mães sem padecer no paraíso

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Por Tamara Boccatelli

Antes de cairmos na armadilha da maternidade romantizada, aquela ideia de uma mulher que se realiza e encontra a felicidade na maternidade, não podemos esquecer de todos os sacrifícios, renúncias, trabalho e cansaço que uma mãe enfrenta.

Nós, mulheres mães, segundo nossos padrões sociais, geralmente, acabamos nos dividindo em muitos papéis, cuidamos das crianças, da casa, dos familiares (marido, mãe, pessoas doentes, etc.), do bem-estar de todas essas pessoas e do provimento financeiro da família. Conheço, inclusive, mulheres que se apavoram só de pensar que podem ficar doentes e não conseguirem cuidar dos seus afazeres.   

Nesse turbilhão de obrigações e pressões, a maternidade aparece como sendo o carro chefe, aquilo que mais demanda de nós mulheres e atribui sentido aos demais afazeres. Porque somos mulheres, “naturalmente” somos mães, pelo menos assim dizem, e mães cuidam de tudo, inclusive, garantindo que não faltem recursos econômicos para a família, o que supostamente, nessa leitura de mundo na qual é papel da mulher cuidar, caberia aos homens o provimento financeiro, mas, na prática, não funciona para a maioria das mulheres mães.

Cuidamos o tempo todo e tentamos equilibrar todos os pratos sacrificando a nós mesmas e, ainda assim, alguns caem. Quando o prato cai, sentimos a frustração e temos a sensação de que fracassamos, desperta em nós algo como “eu não sou capaz de…” que fica nos atormentando a cada falta.

A culpa surge quando assumimos integralmente a responsabilidade pela queda dos pratos e esquecemos que o problema pode estar relacionado ao modo como, ao longo do tempo na nossa história, foram sendo atribuídas essas responsabilidades a nós mulheres e como fomos construindo o que entendemos por cuidar do outro como um gesto de sacrifício.

Percebemos essas construções sobre a maternidade logo quando nos tornamos mães. Antes disso, geralmente, não temos noção da dimensão do que seja assumir solitariamente a responsabilidade do cuidado. É com a chegada da criança, com o choro e as mamadas, que começamos a sentir a pressão. Não tardam a aparecer as cobranças e os julgamentos. Nossa rede de apoio passa a ser escassa e pouco solícita. Quando nos damos conta, estamos sozinhas e sendo constantemente observadas.

Com os filhos e as filhas nos braços demandando cuidado, é como se não tivéssemos a opção a não ser aceitar os termos socialmente impostos sobre o que significa maternar, restando para nós apenas o passar do tempo para acomodar as dores do nosso sacrifício e do nosso padecimento (ou para esperar as crianças crescerem) e a as sessões de terapia individual para aliviar a culpa e a sobrecarga.

Contrariando o que nos dizem sobre o maternar, podemos começar a fazer perguntas e refletir sobre as imposições sociais. As perguntas são importantes, pois quando podem ser formuladas indicam que nada do que existe está escrito em pedras.

Minha sugestão, então, é começar pelo começo, afinal, antes de uma criança nascer, havia uma mulher. Esta mulher por diversos motivos teve um filho ou uma filha. Ao invés de deixar de lado essa mulher que fomos e ainda somos, podemos perguntar a ela de que modo quer levar a vida daqui para frente e como a maternidade pode fazer parte deste projeto de vida? Essa é uma pergunta nova que inverte a lógica da nossa sociedade, pois nela está inserida a ideia de que não somos nós que iremos nos abandonar para cuidar de alguém segundo as expectativas sociais, mas pretende questionar de que forma a maternidade fará parte de nossa vida.

Não existe resposta pronta. Já a pergunta carrega nela mesma uma forma importante de autocuidado quando passamos a nos considerar na vida que levamos. Inverter a lógica do cuidado significa transformar esta função como algo que nos exclui em algo no qual passamos a fazer parte. Nós, mulheres, também somos demandantes de cuidado, somos seres com necessidades, com desejos, com projetos. Por que temos de abandonar tudo isso ao nos tornarmos mães?

Nós, humanos, estamos vinculados uns aos outros porque somos dependentes, vulneráveis e precisamos uns dos outros. Não faria sentido, assim, assumir que uma pessoa não precisa de cuidados porque a devoção faz parte de sua natureza (feminina). Todos nós precisamos de cuidado, o cuidar das necessidades básicas até as questões mais profundas da vida é uma condição humana de existência. Se deixamos de nos cuidar, deixamos de existir como humanos.

O cuidado é uma função coletiva. Quando assumimos a interdependência como algo do ser humano, fica inviável o cuidado sacrificado em função do outro ou o cuidado individualista que só se ocupa de si mesmo. Numa relação de interdependência estamos a todo o momento cuidando de nós mesmos sem descuidar do outro e vice-versa. É um cuidar de si mesmo que cabe o cuidado do outro, sendo a responsabilidade pelo cuidado mútua e compartilhada.

Repensar o significado do cuidado é, antes, recriar formas para a interação social pautadas na perspectiva da interdependência e da cooperação e não da oposição individualista eu e o outro e da competição que determina fixamente os papéis daquela pessoa que cuida e daquela que recebe cuidado.

Esta nova maneira de nos relacionarmos demanda, assim, analisar as formas pelas quais possa se chegar a uma equação que resolva a tensão entre o que é bom para si e o que não prejudica o outro ou ainda do que é bom para o outro e não prejudica a si mesma.  

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