Mulheres-mães protagonistas da própria história

COLUNA | A Maternidade que me trouxe a Não-binariedade – Parte 1

COLUNA | A Maternidade que me trouxe a Não-binariedade – Parte 1

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Quem você vê nessa foto é meu filho quando bebê. Quando o tive, ver seu semblante foi um processo de muita cura para mim. Nunca me achei bonita e colocava mil defeitos sobre minhas características, especialmente meu sorriso de bochecha larga e olhos pequenos. Mas aí meu pequeno nasceu. E vi meu rosto nele. Vi a Carla criança, jovem e adulta – porque meus traços mudaram muito pouco com os anos. 

Meu bebê que trazia os olhos pequenos e sorriso igual da mãe.

A Carla menina era  uma criança que almejava ser feminina e por isso tinha muito medo de se assemelhar aos meninos. Como no dia que meu cabelo ficou bem curtinho por conta de piolhos e minha mãe me chamou atenção sobre como fiquei parecida com um primo, que tem traços muitos semelhantes aos meus – e eu me senti péssima.

Aos 8 anos de idade como meu cabelo de “menino”.

Em tempos em que deveria estar brincando, me divertindo, curiosa sobre a vida e aberta às novas experiências, eu vivia em pânico em saber se eu transitava no lugar certo: o caminho para ser mulher. 

Este que seria entregue a mim a cada mudança no meu corpo, um espaço público de deduções e suposições sobre o polo a qual me aproximava – masculino ou feminino. 

Se eu comecei a ter pelos, eu sou mulher, mas se eu quero ser feminina, preciso tirá-los; se a bunda cresce e as curvas aparecem, já sou mulher, mas só serei feminina se estes traços forem usados do jeito certo; se meus seios despontam, sou mulher, mas se não grandes suficientes para serem vistos como femininos, precisarei usar sutiãs com bojo senão será um corpo masculino.

Aos 15 anos me achava feia por não ter seios maiores e parecer um “homem”.

Encarar meu semblante no meu colo todos os dias através do meu filho reajustou muito a forma de me enxergar e, pouco a pouco, eu gostava de me olhar naquele menino. 

Eu nunca me preocupei com a questão de gênero com meu filho.  Ele usava roupa de todas as cores e todos os gêneros. Com seu cabelo grande de cachos dourados e colar de âmbar, ele confundia muitas pessoas que não sabiam dizer se ele era uma menina ou um menino. 

E, cada vez que eu era perguntada sobre o assunto, eu mesma esquecia qual era o gênero dele! Ele era um bebê, um ser conhecendo o mundo, que diferença iria fazer se vestir de menino ou menina?

Meu bebê com roupas de “menino” e “menina”

E essas fotos dele ilustram bem isso. Um bebê que ora parecia ser colocado no polo masculino, ora no polo feminino. Em todos os pontos em que ele estivesse, eu o achava lindo, maravilhoso! E como ele tinha meus traços, passei a enxergar que uma Carla masculino era tão perfeita quanto uma feminina. 

A menina que morria de medo de aparentar um menino foi curada nesse processo. Meu filho me fez me sentir livre para expressar outras formas de gênero e me sentir linda dessa maneira. 

Junto a este processo, tive acesso  a discursos diferentes, muitos deles questionadores da performance feminina (ainda bem!). Com meu ímpeto de liberdade, resolvi experimentar muitos deles. Deixei os pelos crescerem, diminui a necessidade de maquiagem e adereços e sai do desespero de chegar a um corpo padrão. Investiguei detalhes do meu corpo e enxerguei meu ser feminino com mais amor, aprendendo também a reconhecer que ele também era feito de dor, devido aos muitos desejos sobre ser feminina, mais mulher, vista como um ser que agrada aos olhos ou ao tesão masculino. 

Foi nesse caminho de tentar me sentir mais confortável sobre quem eu era como mulher que nasceu minha não-binariedade.

Depois dos 30 aprendi a conviver com meus pelos e me sentir bonita e feminina assim.

Quando me encontrei na ideia de que era muito mais feliz em ser o que eu quisesse, senti leveza em somar novas percepções. Se eu conseguia aceitar a mulher que era, eu conseguiria viver sem ser “mulher”? 

Se a sociedade não controlava mais como meus pelos seriam, quando minhas pernas ficariam ou não abertas, qual decote me tornaria mais ou menos vulgar, porque eu ainda performaria em reação ao que me diziam? Era meu momento de experimentar ser ativa sobre a minha própria vivência. 

Fique de olho, pois na minha próxima coluna trarei maiores explicações sobre o que é ser uma pessoa não-binária. Te espero.

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