Sempre priorizei criar minha filha para ganhar o mundo, ser independente e ampliar seus horizontes. Por isso, estimulei cada pequena conquista de sua autonomia, desde pequena. Nunca tive dificuldade para agir de acordo com estes valores, até que minha filha entrou na adolescência e foi morar em outro lugar. Então me vi diante da decisão de desmontar ou não o quarto dela.
Racionalmente, não há nenhum motivo para manter aquele cômodo como se fosse um museu dedicado à minha pequena. Tudo pronto como se a qualquer momento ela fosse aparecer depois do colégio, igual à rotina que tínhamos quando ela morava comigo. O armário cheio de roupas, o material de estudo em cima da mesa, além de alguns brinquedos antigos. Nada disso é necessário quando ela me visita. Aqueles metros quadrados podem ser melhor aproveitados de forma a atender às demandas de quem segue morando no apartamento, melhorando a qualidade de vida dessas pessoas.
Entretanto, saindo do pensamento cartesiano, poucas situações são mais dolorosas do que desmontar o quarto de uma filha que saiu de casa. A sensação tem diversas semelhanças com o momento de encaixotar os pertences após uma separação amorosa. As lembranças de tudo o que foi bom viram um filme imaginário passando repetidamente. Chega como uma avalanche, a tristeza de constatar que aquela dinâmica ficou no passado. Timidamente, também aparece o conformismo do encerramento de um ciclo. Inevitavelmente, o dia de desmontar o quarto da filha entra na lista dos mais dolorosos, aqueles que ficam no passado, mas dificilmente serão esquecidos.
No meu caso, aconteceu num domingo. Não sei dizer se fazia sol ou chovia, mas lembro de ter andado de um lado para o outro no apartamento, organizando a melhor destinação para roupas, sapatos e livros. Alguns diários da infância, que foram mantidos escondidos por anos, agora estavam ali para eu decidir o que fazer com eles. Não fui radical, minha adolescente continua tendo onde dormir e guardar algumas coisas no meu apartamento, de forma proporcional às suas demandas quando me visita. Mantive suas fotos espalhadas em diversos porta-retratos. Guardei objetos que marcaram sua história. Escolhi a racionalidade, ainda que aquele domingo tenha feito um estrago na minha estabilidade.
A verdade é que o domingo em que desmontei o quarto da minha adolescente, foi a ponta do iceberg de algo maior: o fato de ela ter deixado de morar comigo. Quando um adolescente sai de casa, antecipa a transição que era esperada para acontecer alguns anos depois. Talvez, porque na nossa sociedade os filhos estejam saindo cada vez mais tarde de casa. Talvez, porque o ponto de vista materno tende a enxergar os filhos como eternos bebês. O fato é que mesmo tendo criado minha filha para não permanecer sob minhas asas, ter sucesso nesse objetivo se mostrou muito mais difícil do que todo o caminho nesta direção.