Com o rigor e a cautela de quem pretende colocar um filho no mundo, ela disseca uma a uma suas motivações para tornar-se mãe. E então, já se desculpando por parecer egoísta, ela me diz:
Eu quero ser capaz de conhecer outras versões de mim mesma, enquanto mãe.
Ora, querida amiga que ainda não é mãe – penso eu –, desculpa o balde de água fria nas suas expectativas, mas ser mãe não é sobre si mesma.
A sensação de que preciso formular melhor o que vou dizer a ela não me deixa verbalizar esse pensamento. Reflito, questiono, reconheço. Há poucos anos, a egoísta era eu.
Quero ser mãe, para que eu possa amar incondicionalmente. Quero ser mãe, para que eu possa gestar, amamentar e criar. Quero ser mãe para que eu possa evoluir. Eu quero para que eu possa.
E então, positivo no teste de gravidez, coração acelerado no ultrassom, choro estridente de quem acaba de nascer. As expectativas sobre mim mesma se vão, engolidas pelas mamadas da madrugada, soterradas por fraldas, silenciadas por visitas que perguntam dela, e não de mim. Não é mais sobre mim.
É aí que está o tombo, minha amiga. Onde você se esconde quando percebe que pariu outro ser humano, e não as versões ideais de si mesma?
Eu sou mãe: preciso alimentar para que ele cresça saudável. Eu sou mãe: preciso dar afeto para que ele se sinta amado. Eu sou mãe: preciso garantir que ele seja feliz. Eu sou, para que ele possa ser.
Essa ideia começa a tomar forma na minha cabeça, mas ainda não estou pronta para verbalizá-la. Reflito, questiono, reconheço. Apesar do tombo, gosto dessa outra versão –inacabada – de mim mesma.
Agora sim, com o rigor de quem não quer iludir, com a cautela de quem quer vê-la seguir, me desculpo por levar (exatamente) 27 dias para te responder:
A maternidade não será o caminho mais rápido (nem o menos dolorido) para o encontro com outra versão de você mesma. Mas, em algum momento depois do tombo, consciente de que não é a versão ideal, mas sim a possível e original, você vai encontrá-la. E eu espero que goste dela, que a trate com carinho, e não perca a vontade de seguir buscando a si mesma em outros trechos do caminho.
Autora: Luciana Godoi é mineira, advogada, casada com o Caio e mãe da Flora. Apaixonada pela escrita desde sempre, cursou Direito para convencer por meio de palavras. Quando sua filha nasceu, ela se autoconheceu e situou a escrita como vocação, passando a usar as palavras para acolher e inspirar.
Este texto foi revisado por Arícia Oliveira.