Lembro-me que, quando criança, eu e minha irmã tínhamos uma casinha nos fundos da nossa casa – ela era quase uma réplica da casa em que morávamos; pintada, inclusive, com as mesmas cores. Tinha alguns pequenos móveis, como uma mesa e cadeiras pequenas e armarinhos, que usávamos para guardar os brinquedos. Por um tempo, ela foi usada como a casinha do cão, Beethoven, um vira-lata das pernas e rabo compridos.
Minha única brincadeira na casinha era tirar todos os móveis, lavar o chão, as paredes e devolver tudo para dentro. Depois de tudo arrumado, eu olhava ao redor, fechava a porta e ia assistir TV. Eu não sabia brincar com a casa, sabia apenas arrumá-la. A TV era mais interessante, eu não precisava pensar no que fazer – ela me dava o caminho, estava tudo ali, pronto, eu só precisava sentar e assistir.
Naquela época, meados da década de 90, eu já ensaiava um desafio que iria me acompanhar pela adolescência e vida adulta – a dificuldade em dar vazão aos meus interesses e desejos, vivendo a vida o mais previsível possível.
Arrumar a casa, mas sem saber viver nela.
Aí, veio a gravidez. Não à toa, foram os nove meses mais assustadores que eu já tinha vivido até ali. Inconscientemente, eu sabia que, agora, arrumar a casa e correr para dentro, para ver TV, não seria o suficiente. Esta fase exigiria de mim sentar à mesa e aprender a “brincar”.
Dizem que, quando nasce um filho, nasce uma mãe – não foi assim comigo! Quando a Maria nasceu naquele centro cirúrgico, eu não nasci como mãe, só morri como aquela Aline que não sabia brincar. Foram muitos meses tendo que aprender a brincar de ser mãe.
Eu sabia brincar de ser professora, de ser cozinheira, de ser secretária de médico, de ser cabelereira e manicure – mas, definitivamente, eu não sabia brincar de ser mãe. No máximo, eu tinha algumas bonecas para as quais me dei ao trabalho de encontrar um nome.
Encontrar o nome da Maria foi, também, a tarefa mais fácil da maternidade.
Todo o resto foi muito mais difícil.
Nestes três anos, eu posso dizer que fui aprendendo a brincar de ser mãe. Tem dias em que – agora, quando a existência dela não depende de um líquido produzido apenas por mim – eu me permito fechar a casa e assistir TV. Ali eu não preciso ser nada, por vezes, é como se eu nem existisse. Não é muito diferente da maternidade, muitas mães deixam de existir pelos filhos.
Mas, tem dias que eu sou surpreendida por uma inesperada vontade de brincar de ser mãe – aí, eu deixo que aquela Aline que não sabia brincar aprenda a brincar com a Maria. Elas se dão bem juntas. São muito parecidas, na verdade. Maria também está aprendendo a brincar, com a diferença de que o mundo real ainda parece para ela mais interessante. Daí eu penso: “Cara! Eu amo brincar de ser mãe da Maria!”.
Ah, e a casa?! Nunca esteve tão desarrumada…
Por Aline Basquerote – @alinebasquerote