Mulheres-mães protagonistas da própria história

A realização de um não-sonho

A realização de um não-sonho

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Eu não sonhava em ser mãe. Gerar uma vida, ceder meu corpo pra alguém se desenvolver, ser responsável por educar, sentir mexer e ver os primeiros passos, nunca sonhei. Sonhei em terminar a faculdade, fazer mestrado e doutorado. Sonhei em viajar, sonhei em escrever um livro, sonhei com a carreira política, sonhei em mudar o mundo. Ser mãe, não.

Engravidei. Aos 23 anos, eu engravidei. Engravidei do cara que eu sou apaixonada, depois e formada, estando trabalhando registrada, com apoio de ambas as famílias e amigos e mesmo com tudo isso, eu só conseguia pensar que não era hora; não era pra isso acontecer. Ainda não terminei a pós, nunca saí pra fora do país, não consigo nem juntar o cocô do Theo sem quase vomitar e ainda tínhamos alguns anos de namoro até decidirmos ter um filho.

As pessoas ficaram felizes por mim – e isso me ajudou, mas eu mesma não conseguia. Entre as centenas de conselhos que uma grávida de primeira viagem recebe (vários dos quais muito valiosos por sinal e outros carregados de um imaginário de maternidade que eu não compartilho), lembro de todas as vezes que me falaram que eu precisava conversar com o bebê dentro da barriga. “Você é psicóloga, você sabe que ele já vai identificando sua voz, né? Leia histórias pra ele, escute músicas, diga como está ansiosa para vê-lo.”

Eu não estava, tinha vontade de sair gritando que eu nem conseguia me acostumar com a ideia de ter alguém dentro de mim, quanto mais conversar, quanto mais me sentir ansiosa pra sua chegada. Eu não estava ansiosa e não queria conversar, por que simplesmente isso não parecia real. E não é como se eu rejeitasse meu filho; eu só não conseguia abraçar a ideia de ter um filho.

Mais de uma vez surtei por ver meu corpo mudando tão rápido. Mais de uma vez chorei me culpando por ter deixado isso acontecer sem casa própria, sem carro, sem o emprego certo. Eu queria responder gritando com cada pessoa que me dizia que eu nunca mais teria uma noite de sono (essa parte eu ainda não aceitei bem). Eu queria que pelo menos alguém me falasse que eu ainda teria tempo pra mim. Mas não gritei, não gritei por que eu sabia que todas essas pessoas estavam tão felizes por mim que viam todas essas questões maternais como algo extremamente gratificante, mesmo que eu não visse dessa forma.

Decidi que me esforçaria, passei a falar com a minha barriga e passei a colocar músicas calmas pra ouvir. Não dava. Parecia-me forçado. Sentia que não estava fazendo isso por nós; fazia pra cumprir o protocolo de recomendações, então desisti.

Deixei os dias correrem. Dia desses, em uma das nossas viagens de ônibus que geralmente terminam com a fofa aqui vomitando, o motorista não viu a lombada e aí você já pode imaginar. Me assustei, coloquei a mão na barriga e falei mais alto do que eu imaginava: “Filho, tá tudo bem, foi só um susto, tá tudo bem meu amor.” Desci do ônibus ainda falando com ele e fui na rua claramente parecendo uma louca explicando pra aquele negocinho na minha barriga que esses motoristas são todos malucos.

Dias depois, a lua estava no seu melhor estágio, com aquele sorriso fininho no céu e eu quis muito que ele visse a lua. Tentei descrever, falei de como eu gostava dela, mas que tudo bem se ele preferisse as estrelas. Em outro momento, enquanto lia os textos da pós, me peguei lendo em voz alta e explicando pra ele a importância dos direitos humanos e que mesmo ele, tão pequenininho, já tinha vários desses direitos garantidos, graças à luta de muita gente.

Não conversamos todos os dias, às vezes eu só consigo dizer: “Tá fervendo aí dentro, né cara? Que dor nas costas!”, e ele me chuta como quem diz: “Você ainda não viu nada!”. Mas todas as vezes que temos conversado depois que resolvemos nos dar o tempo necessário, tem sido de verdade.

Já faz algum tempo que eu entendo o amor, em especial o materno, como uma construção. E é isso. Estamos construindo, aos poucos, um dia de cada vez.

Eu ainda morro de nojo quando penso em trocar fraldas, eu ainda não sei como que vou lidar com o meu mau humor quando esse fofinho começar a tirar minhas horas de sono e eu ainda não faço ideia de como lidar com as costumeiras birras de criança. Às vezes eu acho que não vou dar conta; outras vezes tenho certeza.

Então eu lembro que até 7 meses atrás eu achava que nunca daria conta de estar grávida e agora, mesmo que aos trancos e barrancos, eu tenho dado. Então que seja. Que seja da nossa maneira, que seja uma construção linda, que seja com todo o amor que tem nos rodeado, que seja leve e às vezes nem tanto, que seja do nosso jeitinho. Eu tenho te esperado, e agora posso até dizer que entre uma azia e outra, eu sinto ansiedade, que entre um medo e outro, eu sinto vontade de saber se você vai mesmo puxar o queixo do seu pai.

A maternidade não é só alegria, e talvez eu tenha focado tanto nisso, que tenha esquecido de prestar atenção que ela também não é só sofrimento.
Se a maternidade já é uma fase cheia de peculiaridades mesmo rodeada de tanto amor, eu mal posso imaginar como é para as milhares de mulheres que enfrentam tudo isso sozinha. Então eu só posso agradecer pelo meu companheiro de vida, pelas nossas famílias, pelos padrinhos do Joaquim, pelos nossos amigos e por cada pessoa que esperou pelo meu filho, desde antes mesmo de eu conseguir dizer que sentia essa ansiedade.

Amor não vai te faltar Joaquim! Tem um monte de gente querendo te ajudar a construir o seu mundo; o nosso mundo. Tem um monte de gente bonita te esperando.

Por: Jully Pacholok – @_cartasparajoaquim.
Revisão: @lougandini.

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