Mulheres-mães protagonistas da própria história

COLUNA | Sou uma boa ou má mãe? Meu condicional amor materno

COLUNA | Sou uma boa ou má mãe? Meu condicional amor materno

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Esse é o primeiro ano, desde que meu filho nasceu, que o amo mais. Contradizendo o que normalmente ouvimos sobre maternidade, eu admito que meu amor por ele é condicional, depende das condições para eu vivê-lo plenamente.

Fugindo das palavras escritas nos cartões de dia das mães, o amor ao meu filho não é — e nunca será — eterno e incondicional. Do momento em que ele nasceu até o ano passado, amar essa criança foi difícil, sofrido e cheio de altos e baixos que interferiram prontamente na sensação e na expressão do amor que sinto por ele.

E nem é por culpa dele ou minha. Eu vivia em situação de insegurança financeira, sem qualquer rede de apoio, assumindo quase que completamente todos os cuidados — e lembrando ao pai a parte dele. Além da infalível culpa materna que afetava minha saúde mental e qualidade de vida.

Conversamos muito sobre a maternidade real, com suas fotos de noite mal-dormidas, roupas sujas de papinha e cara cansada, mas será que podemos encontrar espaço para termos uma discussão sincera e direta de que o amor aos filhos depende de circunstâncias para que seja um lugar de autonomia, prazer e troca?

Esse não é um questionamento só meu. Felizmente, algumas estudiosas têm se debruçado sobre o assunto há muito tempo. Antes mesmo das hashtags nas redes sociais, Elizabeth Badinter discutia em seus escritos o mito do amor materno. Badinter apresenta estudos históricos e analíticos no livro “Um amor conquistado: o mito do amor materno” que desconstrói o instinto materno e sua característica absolutista ao gênero feminino.

De acordo com a autora, o instinto de amor materno universal é um mito, uma construção social, histórica e cultural que impede a percepção da pluralidade de experiências que as mulheres vivem na sua maternidade, em diferentes lugares e em diferentes épocas. Por exemplo, foi apenas no século XVIII, com as ideias do filósofo Rousseau, que a subjetividade feminina ficou atrelada à maternidade. Até aquele momento, a vida e educação dos filhos não era associada diretamente às suas mães. Elas eram entregues para amas-de-leite, servas e instituições religiosas.

As mulheres dessa época não eram consideradas “menos mães” por acompanharem os costumes da época e o amor pelos seus filhos não era questionado — até porque ele não tinha o peso de ser “eterno e incondicional”. Se colocarmos essa visão sobre a cultura de outros povos, veremos mais exemplos de formas de cuidar dos filhos que são únicas e circunstanciais.

Minha discussão aqui neste texto quer chegar em dois lugares.

  • As das mães que não conseguem sentir prazer, dada a circunstância da sua maternidade.
  • As das mães de filhos que não são agradáveis e, quando já possuem sua personalidade formada, podem ser abusivos.

Se você faz parte do primeiro exemplo, eu lhe asseguro que seus sentimentos são reais e dignos de respeito. Sem políticas públicas, espaços de visibilidade, rede de apoio, a maternidade se resume em um trabalho exaustivo e infinito. Uma carga que nenhum ser humano estaria disposto a viver caso fosse uma vaga de emprego. As circunstâncias da sua maternidade afetam seu bem-estar, que consequentemente interferem no que você sente na presença de seu filho ou filhos.

Para o segundo exemplo, considero isso mais delicado e não tenho experiência direta a respeito. Porém, eu acompanho a histórias de muitas mulheres e percebo como os filhos e filhas, ao iniciar uma fase de autonomia — normalmente na adolescência — podem ser tão abusivos quanto os parceiros que tivemos. Alguns até se aproveitam da lealdade materna para manipular mãe, tias e avós para conseguir o que querem.

Existem casos até de violência mental e física que, devido ao tabu sobre maternidade ideal, muitas mulheres silenciam seu sofrimento ou negam que estejam sendo mal-tratadas. Recorro ao trecho do texto “O luto pela filha que está viva“, de Márcia do Valle, no site e Instagram “Mães que escrevem” para que vocês entendam o quão real pode ser essa dinâmica violenta:

“Parte de mim morreu quando minha filha disse que queria me matar. Mais precisamente, a parte que eu era mãe dela. Que se preocupava com o bem-estar dela vinte e quatro horas por dia desde que ela havia nascido, mesmo enquanto eu fazia outras coisas. Que guardava lembranças colecionadas ao longo dos anos. A parte de mim que sentia por ela um amor de mãe. Porque meu amor por ela morreu junto dessa parte de mim. E a morte é definitiva, mesmo a morte de sentimentos.”

Como sinaliza Rozsika Parker no seu livro “A Mãe Dividida: a experiência da ambivalência materna” para as mães é impossibilitado falar sobre sentimentos negativos em relação aos seus filhos:

“O amor é, naturalmente, uma emoção mais fácil de admitir do que o ódio; ele é aceito como parte integrante das mães. A ausência de amor é reputada como catastrófica. O ódio, porém, é frequentemente negado. […] Quando excede o amor, mesmo momentaneamente, o ódio pode tornar-se uma emoção facilmente identificada. Mas para maioria das mães, na maior parte do tempo, o ódio fica extremamente invisível — escondido, mascarado, contido –, mas nunca obliterado pelo amor à criança.” (PARKER, 1997, p. 22).

Enfim, amar qualquer pessoa demanda muito esforço, tempo, dedicação e comprometimento. Não surge de um estalo mental e nem é mantida pela idealização social sobre como as relações devem ser construídas — sendo alguns delas completamente sacralizadas. Não existe uma redoma de amor que proteja a maternidade das ambivalências que um relacionamento pode viver. Que cada mãe possa ser livre para vivenciar e falar sobre o amor e não-amor que experienciam.

Dica de livro sobre o assunto:

FONTES:

https://www.instagram.com/p/Cd6xAUZLtFF/?hl=pt-br

BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

PARKER, Rozsika. A Mãe Dividida: a experiência da ambivalência materna. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997

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