Mulheres-mães protagonistas da própria história

Sobre-viver Low Battery – Por: Thayara Cristine

Sobre-viver Low Battery – Por: Thayara Cristine

Compartilhe esse artigo

Fico pensando em quanta energia nós, mulheres, gastamos em rituais de vivência e sobrevivência que nos são impostos…

Já desde bebê nos furam a orelha.
Começa o ritual de dor e nos tascam o sobrepeso de ter que enfeitar o mundo.
Não é só existir, são brincos, laços e sapatinhos cor de rosa porque a gente tem que enfeitar o mundo e não ficar confortável.
Isso vai se reproduzindo por toda vida.

90%

Chegando na pré-adolescência vem para a CRIANÇA (a menina, claro) a imposição do sutiã.
Mais dor, por conta de absolutamente nada… Por conta de um crescimento tão sutil nos seios que não justifica a sustentação.
A reboque do sutiã vem a adultização e a sexualização, tudo muito precoce.
Vem o início da construção daquela justificativa ridícula de “mulheres amadurecem mais cedo” que vai ser utilizada pra abusar das mulheres o resto da vida.

Pra mãe feminista vem o desgaste de ter que explicar pras pessoas que uma menina de 10 anos é só uma criança e não precisa de sutiã.
Vem o equilíbrio difícil entre ensinar liberdade (do seu próprio corpo) e proteção (contra os homens, potenciais agressores, em todo o lugar)

80%

Na adolescência é a vez da repressão sexual.
As meninas são ensinadas a se guardarem virgens para sempre, amém.
Mais energia despendida em conter impulsos tão naturais quanto respirar.

70%

Daí você vira uma mulher adulta e, só até aí, você já se acostumou a concentrar boa parte da sua energia em rituais que foram incutidos em você durante toda a vida.
Quando come conta as calorias porque beleza é magreza e você precisa enfeitar o mundo,
suporta as dores porque beleza dói,
tem vergonha do próprio corpo porque assim que ele começou a mudar te falaram que era pra esconder,
tem um milhão de neuras e barreiras sexuais porque mulher tem que ser santa.

TODA ESSA ENERGIA VAI EMBORA NO AUTOMÁTICO!

Mas aí começam os rituais de sobrevivência…

Antes de sair de casa você precisa gastar energia avaliando o quanto sua roupa chama atenção porque os olhares e os assédios dão muito medo.

65%

No transporte público você precisa gastar energia avaliando o risco potencial do lugar que vai sentar.
Sentar do lado de outra mulher diminui a chance de assédio.
Se você sentar na ponta e não na janela o risco de ser encurralada é menor mas aumenta a chance de ser “sarrada”.
Se você não sentar atrás dos bancos maiores vai estar sempre visível o que é mais seguro.

60%

Nos ambientes de trabalho (até nos lugares mais progressistas) tem a luta silenciosa…
Para que o fato de você ser mulher não diminua suas conquistas. 55%
Ou que o fato de você ser mãe não freie sua ascensão. 40%
Ou que sua voz seja ouvida e você não seja interrompida pelos homens. 35%

Ou um milhão de outras coisinhas…

No rolê é energia pra conseguir dizer não mesmo diante do medo de ser agredida,
energia pra se posicionar diante dos abusos,
energia pra se proteger das violências porque os homens acham que o corpo feminino é público, mais ainda se a mulher bebe.

25%

E aí chega a noite, daí é modo hard… É toda a sagacidade, toda a energia pra chegar em casa a salvo.
A volta do rolê é tipo usar a Genki Dama .
É energia pra caralho (!!!) pra esquivar de todo potencial estuprador na noite.

>>>10%<<<

Quando tudo dá errado, até na hora de pedir socorro, é uma energia empreendida em estratégia de sobrevivência.
“Grita ‘FOGO’, minha filha, e não ‘SOCORRO'”
Isso porque o socorro, pedido por uma mulher, não gera empatia imediata.

Tudo isso é praxe na vida de uma mulher.

Absolutamente nada disso é extraordinário.
Fico pensando em tudo o que poderia fazer se apenas ser mulher já não me tomasse tanta energia.
A sociedade vai construindo suas formas de nos subjugar.
O desgaste é uma das formas mais eficientes.
Estamos sempre cansadas demais.

Estar no mundo seria mais fácil se a gente já não começasse a vida no modo LOW BATTERY.

Autora

Meu nome é Thayara, tenho 28 anos e moro na zona norte do Rio de Janeiro. Sou formada em História, tenho mestrado em Educação Antirracista, e sigo, agora, na mesma área no doutorado, todos pela UFRJ. Sou uma mãe, doutoranda, militante… Tentando evitar o caos, girando um prato de cada vez… às vezes dois!

Compartilhe esse artigo

Leitura relacionada

Últimos Artigos

Deixe um comentário