Mulheres-mães protagonistas da própria história

SÉRIE | Além do autismo existe a Luciana, mãe do Pedro

SÉRIE | Além do autismo existe a Luciana, mãe do Pedro

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Dia 2 de abril é o Mundial de Conscientização do Autismo. Este ano decidi fazer algo diferente, resolvi contar histórias de mães invisíveis, relatos contados por elas mesmas. Quando nos tornamos mães, perdemos nossa identidade e eu, Lara, desde que decidi criar a página além do autismo era justamente isso que gostaria de mostrar, que no autismo, também existe o além.

Além do autismo existem mães, mães que vivem realidades completamente diferentes uma das outras, mães que precisam contar sua história que precisam ter voz e espaço.

Luciana é uma das mães que mais admiro. A conheço há anos e por ventura do destino temos o autismo em comum, sua luta e sua força me inspira e espero que inspire outras mães, Luciana é uma mãe que merece ser ouvida, ser lida e ser reconhecida.


“Quando meu filho completou 4 anos, recebeu o diagnóstico de Autismo”

Meu nome é Luciana, tenho 28 anos. Sou mãe do Pedro que tem 11 anos. Pedro é autista moderado, verbal, tem certa autonomia mas necessita de alguma supervisão e auxílio, não tem seletividade alimentar, não é agressivo, toma medicação para ajudar a regular o sono, diminuir a ansiedade e a hiperatividade.

O Pedro hoje tem um ótimo prognóstico, mas nem sempre foi assim. Quando era bebê tinha um sono muito leve, era difícil fazê-lo dormir e quando dormia acordava facilmente. Dormia muito pouco comparado a crianças da mesma idade, o que tornava os cuidados com ele muito cansativos pela privação de sono. Ele não olhava nos meus olhos na mamada, demorou a sentar, não engatinhou, em vez disso, se arrastava como soldadinho.

Aos 2 anos, ele parou de falar as palavrinhas que sabia, então, procurei por diversas vezes a pediatra que me falava sempre que era normal e que cada criança tinha seu tempo. Depois de um ano insistindo com a pediatra, me foi me recomendado colocá-lo na escola, para que convivendo com outras crianças, se desenvolvesse, o que não aconteceu. Ele continuava sem se comunicar e ficava cada dia mais agressivo ao ponto de não conseguir sair mais de casa sem que tivesse uma crise e fugisse.    

Era uma luta diária que só consegui dar conta com o auxílio da minha mãe que sempre foi meu braço direito. Mesmo sendo casada na época, morava na casa dos meus pais e não tive apoio do genitor, muitas vezes, tive de esperar meu filho dormir para voltar para casa e fazer os afazeres domésticos.

Certo dia, uma desconhecida nos orientou a procurar uma instituição que auxiliava deficientes físicos, nessa época desconfiávamos que ele tinha deficiência auditiva, pois não respondia ao ser chamado. Tanto eu como minha mãe acabamos nos afastando de parentes, porque, além da rotina massante, éramos obrigadas a ouvir sempre que meu filho era assim por nossa culpa, que não sabíamos educá-lo, o que machucava muito.

Apesar de morarmos muito próximo, não tínhamos muito contato com a família paterna. Era notável a diferença de tratamento dispensado a ele e aos primos ao ponto de não sermos convidados para os eventos de família e eu só saber das reuniões via rede social.

Quando meu filho completou 4 anos, recebeu o diagnóstico de Autismo. Eu que já tinha desistido de estudar tive que pedir demissão do emprego para dar início aos tratamentos. Nessa época, junto com baque do diagnóstico, a vida social inexistente, a perda do sonho de fazer Faculdade, o cansaço físico e mental e a falta de emprego, tive que lidar com o fim do meu casamento, o que mesmo não sendo fácil era um pouco de alívio porque a relação tinha se tornado uma obrigação a mais.

Eu estava conformada, mais aí algo mudou, meu então companheiro não aceitava a separação e começou a se mostrar obcecado e abusivo, diversas coisas aconteceram que me fizeram desistir da separação por cansaço, então, reatamos, mas o comportamento abusivo se manteve e eu não suportei toda pressão e caí em depressão. Pedi que minha mãe procurasse tratamento para mim e ela conseguiu, mas meu então companheiro me impediu de fazer  tratamento psicológico e me ameaçou que caso eu o deixasse, usaria isso para me acusar de loucura e “tomar” meu filho. Me vi tendo que me levantar por conta própria, não foi fácil, não foi rápido, mas consegui me reerguer aos poucos por amor ao meu filho.

Me tornei mais passiva, mais solicita, menos interessante, mais obediente e tentando sempre evitar entrar em conflito com meu então companheiro, mas por dentro nunca me conformei com a situação, não queria estar ali, mas precisava me fortalecer emocionalmente.

Em 2018, dei um grande passo na minha vida, consegui me matricular no curso dos meu sonhos, me senti feliz como não sentia há anos! Fiz alguns amigos, comecei a ser mais ativa na luta pelo autismo, mas algo ainda me incomodava, precisava resolver a situação com meu então companheiro, coisa que adiei por anos.

Os abusos se tornavam cada vez mais frequentes até que não suportei mais e pedi o divórcio, ele pareceu aceitar e foi um alívio! Acertamos verbalmente um divórcio amigável e uma guarda compartilhada, acreditei, mais novamente algo mudou, inconformado com o divórcio meu então companheiro expôs meu filho a risco de vida e o machucou, meu mundo caiu, eu que até então não tinha saído de casa tive que sair com poucos itens de necessidade meu e de meu filho, e ir para casa de parentes.

Meu ex começou a impor presença e ameaçar me acusar de alienação parental, e assim o fez, e agora eu, de mãe protetora vejo o jogo reverter e me tornar aos olhos da justiça alienadora e corro o risco real de ter a guarda do meu filho revertida a favor dele.

Às vezes, o preço que se paga por sair de um relacionamento abusivo é muito alto. Sigo na minha luta, por mim e por meu filho. A luta da minha vida é que eu e ele sejamos vistos e reconhecidos como indivíduos e sujeitos de direito.

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