Mulheres-mães protagonistas da própria história

Ser mãe não me completa – Por: Ericka Guimarães

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Ser mãe não me completa. Eu já era um ser humano inteiro antes da maternidade me pegar de surpresa e me dar um sacode. Eu já era uma mulher cheia de sonhos e objetivos antes de ser mãe. Odeio esse papo de filho trazer, enfim, um significado para a vida de alguém (como se antes estivesse faltando um pedaço ou um motivo para existir). Ser e existir já é um grande objetivo.
Essa noite eu cutuquei uma espinha no meio da testa e saiu sangue. Minha filha prontamente levantou da cama, avaliou o local com cuidado, foi até a caixinha de curativos e buscou um band aid do Batman. Com toda a delicadeza que as mãos de uma criança de seis anos pode ter, ela colocou o band aid na minha testa, passou os dedos e finalizou com um beijo. O fato de eu não querer tirar esse curativo feito por ela me mostra que a maternidade não me completa: ela me transborda.
A maternidade me transborda quando a minha filha me reconhece como um lugar seguro. Quando ela me espera chegar do trabalho, quando pede pra não sair naquele dia porque ela só quer ficar em casa comigo vendo TV e comendo coisas sem qualquer valor nutricional. Me transborda quando eu chego em casa e tem um bilhete “i lov yu” me esperando. Ser mãe me transborda porque todos os dias eu tenho que melhorar minhas estruturas pra receber tudo que a maternidade me traz, e mesmo assim, não cabe tudo.
Mas a maternidade me transborda também como se fosse uma fralda cheia de cocô. Daquela que vaza e mancha a roupa nova, que sobe até as costas. Me transborda quando ela me espera pra fazer o dever de casa porque, naquele momento, eu já não tenho um neurônio que possa ser usado e mesmo assim eu tenho que ajudá-la a fazer um robô com sucatas que eu tenho que inventar, com as caixas dos meus sapatos ou a caixa dos ovos que ainda está na geladeira.
A maternidade me transborda quando não me dá direito a uma noite tranquila de sono, já que eu preciso estar sempre alerta se algo acontecer. E assim a maternidade é capaz de transbordar de culpa quando você passa a precisar de remédios para dormir e ter o mínimo de sanidade.
Ser mãe me transborda de responsabilidades que não chegam ao fim. Não basta levar a minha vida, eu tenho que cuidar da vida de outro ser humano. Parece simples até você se tocar que ele morre se você não cuidar direito.
A maternidade me transborda com choros, sangue, catarro, vômitos e diarreias que eu não tenho vocação pra cuidar, mas que eu tenho que fazer mesmo assim. Me transborda de força quando a cria está cansada, quer dormir e vocês não estão em casa ainda. É preciso força física para segurar aquele corpinho por algumas horas junto ao seu e, às vezes, força emocional para segurar seu próprio cansaço.
Eu me transbordo em crises de ansiedade quando eu tenho que lidar com uma manha ou malcriação por parte dela. Me transbordo porque não me sinto apta a lidar com aquela situação, mas tenho que lidar mesmo assim. Me transbordo com as contas que não param de chegar, com as roupas que não param de encolher, com as cobranças que não param de se acumular nos meus ombros.
A parte boa é que transbordar de amor é o que faz a experiência toda valer a pena. Sorrir com o canto da boca cheio de ketchup, receber uma videochamada porque a pessoinha está com saudades, dormir abraçadas como “duas salsichinhas” em que nós somos as salsichas e a coberta, o pão. E, mesmo depois de uma briga, ouvir “eu te amo mais do que tudo nessa vida” (essa é uma atitude dela, eu não tenho maturidade para brigar e dizer que amo logo depois). É ver um ser humano crescer usando você como exemplo, como molde. É ganhar um beijo na ponta do nariz antes de entrar na sala de aula.
Toda a experiência transborda. A maternidade me transborda talvez porque ela já não coubesse em mim. Não havia espaço planejado para ela, mas aqui estamos, eu e ela.

Autora

Jornalista. Escritora. Contadora de histórias. Social Media. Fotógrafa. Mãe Solo. Uma deusa, uma louca, uma feiticeira. Cantora de karaokê. Boa de copo e de taça. Mas não muito de shot. Nem muito de garfo. Olhos de cigana oblíqua e dissimulada.

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Uma resposta

  1. Acabo de encontrar essa preciosidade, em tempos de pandemia! Leitura mais do que necessária para todas nós nessa fase maluca da humanidade!
    Excelente e inspirador!!!!

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