Mulheres-mães protagonistas da própria história

Não-diário de quarentena…

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Faz 10 dias que meu companheiro precisou viajar e eu estou aqui em casa confinada com minha filha de 4 anos. Ela está com muita dificuldade para comer, com resistência para dormir e eu com dificuldade de lidar com tudo isso sem uma rede de apoio por perto, junto com todas as preocupações e tensões que assolam o país. Falta de concentração, sensação de não estar dando conta das coisas do trabalho, de casa, da vida. 

Às vezes, acho que estou sendo movida pela força do ódio por tudo que acontece, por termos um presidente péssimo, por não termos previsão de melhora a curto prazo, outras vezes, parece que estou no piloto automático.

Tento aliviar algumas tensões desabafando com amigas,  enviando áudios que mais parecem podcasts, mas me parece que falta algo a ser dito. Talvez, eu não queira que as pessoas saibam que tenho vontade de chorar quase todo dia, que se eu reclamar demais vai parecer mais um “white people problem”.

Fico pensando que não devo falar, porque tem muita gente em situação pior. Mas a cabeça não para, literalmente, fritando com tanta coisa. Mandei mensagem para uma amiga combinando um código com ela, de que todos os dias eu iria enviar uma mensagem dizendo que está tudo bem, e que no dia que eu não enviasse, e se eu não atender ela venha aqui ver o que houve. Não sei por que, mas bateu um medo de me sentir mal, de ter um piripaque ou sei lá o que estando sozinha aqui com minha filha. 

Todo dia penso, vou escrever um pouco hoje, fazer alongamento, tomar suco verde, organizar a rotina. E todo dia, acordo atrapalhada, tomo meu remédio de uso continuo, faço um café e como com algum carboidrato.

Corro pro computador com mil demandas de trabalho já pipocando. Lembro que esqueci de pagar algum boleto e que não fiz o alongamento matinal. As pessoas vêm falar comigo e eu fico meio que paralisada querendo dizer, simplesmente eu não consigo, mas não falo nada.

No decorrer ou no fim do dia me sinto mal por não ter pique pra brincar com minha filha, por não fazer as atividades lúdicas que a gente vê nos livros e canais politicamente corretos que falam sobre criação de filhos/as.

Dói as costas e o cansaço bate forte assim com a culpa por não ter mais energia para gastar com ela. Fico pensando em colocar em prática uma rotina que funcione, mas como se estamos tão cansadas e preocupadas com tudo em nossa voltar que mal conseguimos organizar as emoções? E assim os dias vão passando.


Autora: Ana Nery, mulher nordestina; experienciando a maternagem; filha de Iemanjá; escorpiana; cientista social; ongueira. Insta: ananeryclima/

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