Hoje, fui confrontada com uma notícia que cogitava ser real, mas ainda não tinha dado atenção: mulheres têm probabilidade maior de envelhecerem mais pobres do que os homens. Pesquisei rapidamente e achei um artigo chamado “Mulher, velhice e solidão: uma tríade contemporânea?”, de Marly de Jesus Sá Dias e Jacira Serra, que caiu como um belo soco no estômago e que trazia as duas citações abaixo:
“As mulheres acumulam no decorrer da vida desvantagens (violência, discriminação, salários inferiores aos dos homens, dupla jornada, etc.) e as mulheres têm a probabilidade de serem mais pobres do que os homens e dependerem mais de recursos externos.” (BERZINS, 2003, p. 28).*
“Outro aspecto a ser destacado é o papel da mulher no mercado de trabalho […]. Com efeito, cresceu […], mas apesar disso, em seu conjunto, elas são mais pobres que os homens. […] A mulher trabalhadora passa a exercer dupla função, no seu ambiente familiar e no local que exerce seu trabalho remunerado […]. A renda familiar insuficiente e os baixos rendimentos percebidos durante os anos de vida produtiva levam à condição de pobreza na velhice. […]” (PAPALÉO NETTO; KITADAI, 2015, p. 18). **
Ao mesmo tempo, lembrei claramente de um livro que encontrei há mais de 10 anos chamado “Metade do Céu”, de Nicholas D. Kristof e Sheryl WuDunn, em que li trechos que afirmavam como alguns estudos comprovam que quando as mulheres são encarregadas pelo dinheiro, elas melhoram sua vida e daqueles sob seus cuidados, pois investem na educação dos seus filhos e conseguem sair das condições de violência e pobreza.
Como assim? Seremos mais pobres, mas somos mais capazes de economizar e cuidar bem da vida financeira? A resposta para essa pergunta veio a mim em duas partes. Primeira: lembrei-me da taxa rosa, uma aplicação de preços mais elevados em produtos voltados ao grupo social feminino, ou seja, se o produto é para menina ou mulher, será mais caro***. Sendo que, de acordo com pesquisas do IBGE, as mulheres ganham 20,5% menos do que os homens (em média) e, apesar de serem mais qualificadas e investirem mais em educação, ocupam somente 37,4% dos cargos de liderança.****
Depois, lembrei-me de uma amiga muito querida, mulher pobre e inteligente que me contou um dia uma história desastrosa de seu marido. O primo de seu esposo, uma pessoa com histórico terrível de falências e má conduta, pediu dinheiro emprestado a ele, dizendo que precisava muito investir em um negócio e que, assim que os lucros chegassem, ele também seria beneficiado. Minha amiga não gostou nadinha da história, bateu o pé e disse que o marido não deveria emprestar o dinheiro. Como ele trabalhava e ela não (porque cuidava do filho pequeno deles), ele não deu ouvidos e disse que sabia o que estava fazendo. Pegou o dinheiro, emprestou e em poucos meses aconteceu o que minha amiga previu: o primo quebrou novamente e nunca pagou o dinheiro emprestado.
Igual a essa história, poderia trazer muitas outras que ilustram bem o que comentei antes. Sim, mulheres são mais conscientes sobre como utilizar o dinheiro de forma mais eficiente e inteligente – como bem fez minha amiga ao entender que não era coerente emprestar dinheiro a alguém irresponsável ainda que seja um parente próximo -, mas por conta da estrutura de controle e opressão sobre nossos corpos, comportamentos e pensamentos, temos a probabilidade de sermos mais pobres, assim como minha amiga que aceitou vivenciar a maternidade e não teve sua atividade remunerada por não fazer parte do escopo da economia capitalista (afinal, quem cuida “deve fazer por amor e não precisa ser compensada financeiramente”).
Mulher, fique atenta e reconheça seu lugar de poder financeiro quando a oportunidade lhe for dada. Eduque-se financeiramente, faça escolhas de acordo com suas necessidades e de seus dependentes (sem cair nos contos do “bom marido/pai/irmão”) e conscientize-se do que significa ser mulher, afinal esta definição está alicerçada em uma estrutura capitalista baseada em te pagar menos (ou nada, como na maternidade) e te cobrar mais.
Texto revisado por Daiane Martins.
*Fonte: BERZINS, M. A. V. da S. Envelhecimento populacional: uma conquista para ser celebrada. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 75, 2003, p. 19-35.
**PAPALÉO NETTO, M. O Estudo da Velhice no século XX: histórico, definição do campo e termos básicos. In: FREITAS, E. V., PY, L e colaboradores. Tratado de Geriatria e Gerontologia, 1ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
***Fonte: https://focanodinheiro.neon.com.br/controle-financeiro/taxa-rosa.
****https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/pesquisa-do-ibge-mostra-que-mulher-ganha-menos-em-todas-ocupacoes