Mulheres-mães protagonistas da própria história

Maternidade, universidade e pandemia

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[Às 5h da manhã ele acorda e sai correndo do quarto me chamando – mamamãã! Levanto, ainda com sono e cansada – pois nem todas as noites são de sono contínuo -, vou ao banheiro acompanhada dele e começo a rotina pandêmica, que se iniciou em meados de março e ainda não tem previsão de acabar. Atenção plena e exaustão permanentes resumem o atual ciclo de cozinhar-limpar-brincar-ensinar-arrumar-cozinhar-trabalhar-banhar-limpar-cozinhar-arrumar-fazer dormir…]

[Esse texto-reflexão-desabafo foi escrito pelo celular, às 6h, depois de fazer a primeira rodada do café da manhã]

Como conciliar maternidade e universidade? Essa é uma pergunta já bastante discutida e que, especialmente no contexto da pandemia e de afastamento social, tem levantado novas e velhas questões como a realização do trabalho profissional no ambiente doméstico.

Como resultado, temos vivenciado jornadas contínuas, concomitantes, e não mais sobrepostas (duplas ou triplas), em que se borraram quaisquer limites e diferenças entre tempos, demandas e espaços doméstico, de cuidado e profissional. Nada parece ter ordem, controle ou organização.

Sem a possibilidade de contar com rede de apoio ou com turnos escolares – durante a pandemia – tais jornadas tem sido altamente desgastantes, por requererem atenção plena e cuidado permanente dentro de casa, sobretudo em se tratando de crianças.

Engajar-se e disponibilizar-se na reprodução da vida humana – com tudo o que isso evoca em termos físicos, emocionais, culturais e sociais – tem sido um aspecto central na vida de mulheres-mães-trabalhadoras, no qual não se pode contar com a empatia de colegas ou gestores. 

Sabemos que são as mulheres que cultural e historicamente, e na esmagadora maioria das casas e configurações familiares, exercem papeis principais de cuidado, de funções no trabalho doméstico (gratuito ou remunerado), além daquelas que acumulam o trabalho profissional.

No caso da atuação na universidade é preciso lembrar que estamos falando de um trabalho intelectual, que exige concentração, tempo, foco (silêncio!?) e múltiplas habilidades no exercício das atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão – as quais se complexificaram diante da imposta mediação tecnológica e do trabalho e ensino remoto na pandemia.

Trata-se de uma área altamente competitiva, diante de critérios de produtividade constante colocados à categoria docente pela carreira e pelas agências, editais e órgãos de pesquisa, principalmente no que se refere à publicação de artigos, livros e à participação em eventos científicos – que raramente consideram a maternidade ou a parentalidade como fator de impacto.

Temos ainda o âmbito de trabalhos e reuniões na gestão universitária, como os colegiados, comissões e institutos, departamentos e centros acadêmicos, que muito dificilmente discutem, acolhem ou demonstram empatia a essas mulheres. 

Obviamente que o machismo, a misoginia, o individualismo, o racismo e a branquitude acrítica estão não apenas presentes nas relações universitárias, mas estruturam a própria instituição, também como reflexo da sociedade e da educação hegemônica em geral, que resvalam na vida de mulheres (mães, negras, solo, com deficiência, idosas, etc) de diferentes maneiras.

Nesse sentido, parece ser “pedir demais” a evocação de empatia em relação a nós mulheres mães e professoras-pesquisadoras – seja antes, durante ou pós-pandemia. Não há dúvidas de que o que nos marca, nos percursos universitários, são os silêncios, os descasos e os olhares/comentários de “coitadismo” fundados numa lógica individualista e machista, dignas de áscuo. 

Por isso, entre jornadas contínuas e falta de empatia, meu principal desejo hoje – além de poder (contraditoriamente) descansar e trabalhar com alguma tranquilidade, haja vista que a manutenção da saúde e da vida são as maiores preocupações agora – é de realizar uma criação e educação crítica para nossas crianças e jovens, em que a(s) maternidade(s) exista(m) de forma real e diversa dentro da universidade. 


Autora: Carolina Bessa Ferreira de Oliveira é mineira e mãe do Ernesto, que tem 2 anos. Advogada e Pedagoga, é especialista em Direitos Humanos, mestra e doutora em Educação. Atua como professora na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Instagram: @carol_bessa_

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